sexta-feira, 30 de setembro de 2011

O INAG extinto.

Eu vou ser o próximo presidente do INAG extinto. Já fui indigitado. O carro que me foi atribuído é um BMW.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Eu não dizia que o modelo empresarial da arqueologia portuguesa iria reservar muitas surpresas?

Achado macabro em casa na Foz

Arqueólogo André Carneiro alerta para o perigo para a saúde pública. A Polícia investiga a origem do espólio, que assusta moradores.

CM, 10/08/2011, por:Manuela Teixeira/Tânia Laranjo



Foi com espanto e medo que um sem-abrigo viu ontem os crânios que estão logo à entrada da casa do nº 48 da Rua da Trinitária, no coração da Foz do Douro, no Porto. Comunicou à PSP da zona, que, no local, encontrou um cenário macabro de centenas de ossos humanos, uns espalhados, outros acondicionados em cerca de 40 caixas. As autoridades que estiveram no local falam mesmo em 300 caveiras humanas.
A Polícia investigou o caso e chegou até aos responsáveis. Trata-se da empresa Dryas Arqueologia, com sede em Coimbra, que trabalha em consultoria na área da Arqueologia, Antropologia e Património Histórico. Um dos sócios é o arqueólogo herdeiro da casa na Foz que serve de armazém.
Contactado pelo CM, o arqueólogo e docente na Universidade de Évora, André Carneiro, ficou chocado com a insólita situação. O especialista alerta para eventuais perigos para a saúde pública que o achado representa. "Se os ossos, sobretudo os mais antigos, estiverem expostos a ambientes pouco protegidos e húmidos, libertam micróbios, vírus, bactérias e agentes patológicos com toxicidades", explica.
O arqueólogo acusa ainda de incúria quem abandonou as ossadas naquelas condições de degradação e de fácil acesso. A PSP fazia ontem diligências para encontrar o dono do espólio e decidir o destino a dar--lhe. No entender do especialista consultado pelo CM, o caso deveria ser imediatamente comunicado à Direcção-Geral da Saúde. "Seria melhor fazerem análises sobre a toxicidade das ossadas, até para as enviar para as instituições mais adequadas", diz André Carneiro. O Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico será um dos locais indicados para a avaliação da história e do interesse do espólio. O destino final poderá ser ainda um museu ou integrar o património de uma autarquia local. Universidades e parques arqueológicos poderão ter também interesse em recolher os achados.
A casa está abandonada há muitos anos e nem os vizinhos sabiam do paradeiro dos herdeiros do homem que conheceram como sendo o dono da casa, já falecido. Sabiam apenas que a casa está degradada e cheia de lixo. Mas não sabiam que também havia caixas com ossadas humanas.


HABITAÇÕES ANTIGAS E DEGRADADAS


A Rua da Trinitária fica situada na chamada ‘Foz Velha’, já próxima do rio Douro. Há muitas casas de habitação centenárias espalhadas pela rua e becos onde mal passa um carro. O número 48 da Rua da Trinitária é apenas um exemplo de abandono pelo proprietário e pelos seus herdeiros. A casa ao lado, onde ontem foram encontradas as ossadas humanas, só mantém as paredes exteriores. A ‘Foz Velha’ abriu frentes para o mar, dando lugar à nova Foz, com moradias de luxo.


VIZINHOS DESCONHECIAM

A descoberta sinistra deu-se ao final da manhã de ontem, para enorme surpresa dos vizinhos mais próximos. "Nunca lá entrei e não fazia ideia de que estavam lá estas coisas", disse ao CM José Reis. Só a presença dos carros da Polícia é que alertou os moradores. "Foi assim que ouvimos dizer que a casa estava cheia de ossos e caveiras", conta. José Reis não se lembra sequer de quem são os donos da habitação térrea, com um sótão.
Segundo os vizinhos, a casa está desabitada há mais de dez anos, tendo-se tornado local de re-fúgio para alguns sem-abrigo. Ontem, um deles não gostou de ter de partilhar o espaço com as ossadas. E os moradores da zona também não gostaram da ideia de que ali permanecessem.
O assunto era comentado de boca em boca e as reacções eram diversas. Uns riam do insólito, outros mostravam-se horrorizados com o macabro achado. Outros ainda optaram por comentar o caso sentados à mesa do café a jogar cartas.
Poucos foram os que quiseram ir dentro da casa ver os crânios e demais ossadas. A vizinha da frente da casa onde foram encontrados os ossos preferiu nem sequer atravessar a rua. "Eu não sei de nada nem quero ver nada disso. Que coisa horrorosa", disse a moradora.

PSP ENCONTRA DONOS DOS OSSOS
~
A PSP da Foz do Douro, investigou o caso e acabou por desvendar parte do mistério já ao final do dia. Segundo fonte da Polícia, trata-se de uma colecção arqueológica pertencente a uma empresa de Coimbra. As autoridades, pouco habituadas a ter ocorrências deste tipo, tinham apenas a intenção de notificar os responsáveis para retirarem as ossadas do local. Eventuais problemas legais e de saúde pública ainda não tinham sido equacionados.




Porto

Ossadas com 200 anos já foram recolhidas

Empresa de Coimbra levou material arqueológico encontrado ao abandono numa casa na Foz.


CM, 11/087/2011, por:Tânia Laranjo/Manuela Teixeira

Ainda durante a manhã de ontem, Teresa Ferreira, antropóloga, acompanhou uma equipa da empresa da qual é sócia - a Dryas Arqueologia, com sede em Coimbra - para recolher o material arqueológico encontrado numa casa devoluta, na Foz do Porto. Trata-se de matéria de cerâmica, mas também de centenas de restos humanos com cerca de 200 anos que tinham sido recolhidos numa escavação na zona Norte do País.
O material estava acondicionado na casa há vários anos e Teresa Ferreira garante mesmo que desconheciam que a habitação estava vandalizada. "Nunca ninguém nos contactou a dizer que a casa era alvo de vandalismo. Pensávamos que os objectos estavam em segurança", garantiu ao CM, assegurando não ter havido qualquer perigo para a saúde pública. "Retirámos todos os objectos da casa apenas porque a segurança tinha sido violada. Lamentamos que alguém tenha entrado no interior e mexido no material, que é muito sensível e podia partir-se", disse.
A mesma responsável disse ainda ao CM que se trata de objectos históricos e, para além do contentor onde se encontram restos humanos, havia também no interior da casa muitas peças de cerâmica também com mais de 200 anos.
"Levámos tudo para os nossos armazéns de Coimbra, onde agora iremos analisar se alguma coisa está destruída. Aparentemente, parece não estar nada deteriorado", refere Teresa Ferreira. Sobre a forma como o mesmo material estava acondicionado, Teresa Ferreira garante que as condições mínimas eram as exigidas.
"O que acontece é que os nossos arqueólogos pedem uma licença para fazer determinada escavação. Depois o material fica à sua responsabilidade e a casa funcionava como um armazém. Tinha todas as condições de segurança", garantiu a responsável da empresa. Teresa Ferreira admite, contudo, que não visitavam aquele espaço há vários anos.


ESPÓLIO RETIRADO DA CASA QUE CONTINUA AO ABANDONO

As ossadas e peças arqueológicas foram recolhidas pela empresa, ontem de manhã cedo. Contudo, os acessos à casa não foram vedados e o lixo continuava ontem amontoado. Teresa Ferreira, responsável da Dryas Arqueologia, garantiu ao CM que vão ser tomadas medidas para entaipar as entradas e que a casa será restaurada. Apesar de a habitação não ser legalmente devoluta, o seu estado de abandono e degradação indicava o contrário. Há vários anos que serve de refúgio a pessoas sem-abrigo. A porta principal está partida e apenas encostada. Mesmo que os vizinhos tentassem avisar os donos, já não sabem do seu paradeiro. "Há muito tempo que ninguém da família aparece aqui para ver como está a casa", dizem.



quarta-feira, 7 de abril de 2010

Material e Imaterial.

Material e imaterial.

Continuação


Pedro Manuel Cardoso:

Caro Manuel de Castro Nunes, na próxima semana iniciarei a colaboração num ‘grupo de trabalho’ que tentará implementar um projecto de prevenção da violência nas Escolas. A antropologia será chamada a dar o seu contributo, através da lição que recebeu do legado dos que melhor souberam lidar com ela no passado. Afastar-me-ei até Agosto desta polémica sobre o ‘museu dos Jerónimos’. Quando regressar talvez me tenha enganado, e já haja uma solução, a bem de Portugal e do seu Património. É o que mais desejo. Contribui como pude para mostrar que há outras soluções e alternativas. É necessário que a política museológica e patrimonial esteja aberta a aceitar novas perspectivas e novos contributos. Mas é também necessário que os protagonistas e responsáveis que permanecem há anos nos ‘museus’ também o estejam. Que é um erro reduzir o programa de patrimonização da «ocupação humana e da vida no território a que chamamos hoje Portugal» à questão apenas dos ‘museus’, e muito menos à do ‘museu de arqueologia dos Jerónimos’.

Está na hora de abalar.

Sobre a questão dos arquétipos, talvez não tenhamos avançado muito mais do que avançaram os que estiveram entre 10 e 13 de Outubro de 1975 na Abadia de Royaumont. Massimo Piatelli-Palmarini relata esse admirável encontro entre Jean Piaget e Noam Chomsky (em português há a tradução das Edições 70, “Teorias da Linguagem, Teorias da Aprendizagem”, Porto, 1987) que transpõe a questão dos arquétipos para o impasse entre Genética e Cultura, que, como muito bem diz é “um nó a desatar”. Estiveram nesse debate muitos nomes importantes do saber do nosso tempo (G. Bateson, J.-P. Changeux, A. Danchin, J. Fodor, M. Godelier, B. Inhelder, F. Jacob, J. Mehler, J. Monod, J. Petitot, D. Premack, H. Putnam, R. Thom, D, Sperber, e outros). Nessa altura sentíamos os campos extremados, e esses dois domínios como fortalezas inexpugnáveis, obrigando-nos a ficar ou de um lado ou do outro da muralha. Razão pela qual Massimo Piatelli-Palmarini pôs na epígrafe a afirmação de Jacques Monod proferida em 1970: “Ao colocar a vasta questão: o que faz o homem ser homem? Verifico que há a sua Cultura, por um lado, e o seu Genoma por outro, é claro. Mas quais são os limites genéticos da Cultura? Qual é o seu bloco genético? Não sabemos nada sobre isso. E é pena, porque este é o problema mais apaixonante, o mais fundamental que há.”. Todavia, embora seja ainda um nó a desatar, houve avanços. Avanços que tornaram a inexpugnabilidade mais permeável. A ‘caixa de Pandora’ foi aberta por muitos, que agora não seria oportuno referir. Mas um desses responsáveis, que é crucial para o estudo da Museologia e do Património, e que já referi várias vezes, é sem dúvida Eric Kandel com o seu trabalho sobre a Memória. Ora, sobre os arquétipos Ernst Mayr lembra-nos que não viemos ao mundo como uma tábua rasa, viemos com um “programa fechado” que se foi gradualmente abrindo, e que está ainda muito mais fechado do que seria o nosso desejo. Os avanços da actualidade - depois do esforço dos ‘seis magníficos evolucionistas’ (Lamark, Darwin, Haeckel, T.H. Huxley, de Vries e T.H. Morgan) - mostram que em Homo há sempre uma ‘codificação bio-socio-cultural’ que se interpõe entre a Genética e a Cultura na qual é possível interferir. Ou seja, que os arquétipos podem ser modificados pela “agência” do sujeito humano. Mesmo que ainda só estejamos na infância dessa interferência.

Obrigado, Manuel de Castro Nunes.

Um abraço.


Pedro Manuel Cardoso


Manuel de Castro Nunes:

Prosseguindo uma troca de ideias.


Creia que lamento, Caro Pedro Manuel Borges, com toda a sinceridade, ver suspensa assim uma troca de ideias que, estou de acordo consigo, não podendo todavia reverter a dissincronia da acção e intervenção que se prepara para breve, qualquer que venha a ser a sua orientação, permitiria, pelo menos, avaliar, a priori ou a posteriori, as perversas consequências da acção que não aguarda os resultados de reflexões serenas.
E admito que se tivesse extenuado de andar assim, como ao lado de cego, passo a passo, mas não me restava alternativa, na diligente vontade de descodificar a sua mensagem. E também tenho a certeza, porque também o conheço, de que o itinerário de reflexão a que se reporta deveria já ter inundado o pensamento que suporta e deve preceder a intervenção museológica e museográfica. Estamos aqui em convergência incondicional.
Teríamos que procurar convergência acerca de quais os dados consolidados dessa reflexão estão habilitados para uma transferência inequívoca para o domínio da intervenção, mas, sobretudo, que implicações ideológicas subjazem a muitos deles. Deve ter compreendido que foi por essa razão que eu optei por fazer o itinerário passo a passo.
E por isso, porque não estou cativo do tempo, espero retomar este diálogo, quando lhe for oportuno.
Nada me resta pois senão enunciar-lhe, para podermos ordenar os tópicos se for o caso de prosseguir, as questões aonde pretendia centrar, passo a passo, a minha e a sua atenção.
Vou citá-lo:

''Sobre a questão dos arquétipos, talvez não tenhamos avançado muito mais do que avançaram os que estiveram entre 10 e 13 de Outubro de 1975 na Abadia de Royaumont. Massimo Piatelli-Palmarini relata esse admirável encontro entre Jean Piaget e Noam Chomsky (em português há a tradução das Edições 70, “Teorias da Linguagem, Teorias da Aprendizagem”, Porto, 1987) que transpõe a questão dos arquétipos para o impasse entre Genética e Cultura, que, como muito bem diz é “um nó a desatar”. Estiveram nesse debate muitos nomes importantes do saber do nosso tempo (G. Bateson, J.-P. Changeux, A. Danchin, J. Fodor, M. Godelier, B. Inhelder, F. Jacob, J. Mehler, J. Monod, J. Petitot, D. Premack, H. Putnam, R. Thom, D, Sperber, e outros). Nessa altura sentíamos os campos extremados, e esses dois domínios como fortalezas inexpugnáveis, obrigando-nos a ficar ou de um lado ou do outro da muralha. Razão pela qual Massimo Piatelli-Palmarini pôs na epígrafe a afirmação de Jacques Monod proferida em 1970: “Ao colocar a vasta questão: o que faz o homem ser homem? Verifico que há a sua Cultura, por um lado, e o seu Genoma por outro, é claro. Mas quais são os limites genéticos da Cultura? Qual é o seu bloco genético? Não sabemos nada sobre isso. E é pena, porque este é o problema mais apaixonante, o mais fundamental que há.”. Todavia, embora seja ainda um nó a desatar, houve avanços. Avanços que tornaram a inexpugnabilidade mais permeável. A ‘caixa de Pandora’ foi aberta por muitos, que agora não seria oportuno referir. Mas um desses responsáveis, que é crucial para o estudo da Museologia e do Património, e que já referi várias vezes, é sem dúvida Eric Kandel com o seu trabalho sobre a Memória. Ora, sobre os arquétipos Ernst Mayr lembra-nos que não viemos ao mundo como uma tábua rasa, viemos com um “programa fechado” que se foi gradualmente abrindo, e que está ainda muito mais fechado do que seria o nosso desejo. Os avanços da actualidade - depois do esforço dos ‘seis magníficos evolucionistas’ (Lamark, Darwin, Haeckel, T.H. Huxley, de Vries e T.H. Morgan) - mostram que em Homo há sempre uma ‘codificação bio-socio-cultural’ que se interpõe entre a Genética e a Cultura na qual é possível interferir. Ou seja, que os arquétipos podem ser modificados pela “agência” do sujeito humano. Mesmo que ainda só estejamos na infância dessa interferência.''

Ora, este nó de difícil desatadura, onde se cruza a genética e a cultura, é propriamente, do ponto de vista ideológico, o núcleo onde se vão cruzar todas as ambiguidades e também todos os riscos. Sobretudo quando damos o passo em frente, para o abismo porventura, quando anunciamos de seguida que os arquétipos, que nem sabemos bem ainda o que são, como bem diz, nem se são genéticos ou culturais, mesmo que sejam matrizes, aqui opera já o Caro Amigo precipitadamente a cisão entre o material e o imaterial, podem ser modificados pela agência do sujeito humano. Um passo no abismo, que não cabe no figurino do discurso. Parece-me, parece-me, sublinho, que nos estamos a colocar no patamar ético e deontológico dos problemas por resolver no que concerne à manipulação genética. Só que agora acrescida da cultural, porque não sabemos onde se cruzam. Quais são os limites genéticos da Cultura? Da ideologia, insistiria eu, que é cultura também.
Será que a circunstância de classe dos sujeitos, que reverte em cultura também, estaria já impressa na matriz genética?
Como vê, há caminhos com mais escolhos do que aqueles que vemos ao longe.
Ora, vou citá-lo de novo:

''A gestualidade é apenas uma parte das quatro partes do ‘objecto patrimonial’. Por exemplo no objecto patrimonial ‘copo’, o ‘modo de beber’ ou o ‘modo de o pegar’ são uma e a mesma coisa patrimonial - seja no Neolítico ou na contemporaneidade, seja no culto ou em ambiente profano. Que obviamente assumiram ‘formas’ (isto é, ‘documentos-dados’) diferentes consoante o tempo histórico. Assim o é também para os fonemas que o anunciam na fala; e para os ícones que o etiquetam, a quem F. Saussure (ou G. Gabelentz, 1891) chamou de “significantes”. Todas estas quatro partes são «uma dinâmica una da realidade constituinte do ‘objecto patrimonial’». O canto, a música, a desgarrada, o assobio, o pregão, a serenata pertencerão á ‘oralidade’. A quadra e a décima se forem registos alfanuméricos, ou se forem sinais ou escritas e não sons, pertencerão à ‘iconicidade’. Os modos de utilização dos músculos faciais á volta do zigomático, e dos outros no fazer dessa ‘oralidade’ pertencerão outra vez à ‘gestualidade’. Os ‘suportes’ onde tudo isto for registado pertencerão à parte da ‘materialidade’''

Terá que admitir que é difícil de admitir, mesmo firmados em muito pensamento consagrado já emitido, que copo, modo de pegar e modo de beber, para ordenar sincronicamente, sejam uma mesma coisa patrimonial. É também difícil de admitir a redundância da escrita, mau grado a noção de caligrafia, no estrato da iconicidade. E da oralidade no estrato da gestualidade, sem operar diferenciais distintivos. E que os suportes onde tudo ficou registado pertence à parte da materialidade, mesmo entre aspas.
E é difícil de admitir na coerência interna do discurso. Seja, o discurso contem em si o genoma, ou o vírus da sua negação.
E isso é razão para abandonar esta perspectiva de aprofundamento? Claro que não, Um estímulo para prosseguir com ela.
E é por isso que o terei que citar de novo:

''Que é um erro reduzir o programa de patrimonização da «ocupação humana e da vida no território a que chamamos hoje Portugal» à questão apenas dos ‘museus’, e muito menos à do ‘museu de arqueologia dos Jerónimos’''

Para concluir que, neste pé do problema, é um erro reduzir (…) à questão da negação dos museus e muito menos à do MNA.
É um passo de gigante.
Espero sinceramente que possamos voltar a dialogar e que, desanuviados destes equívocos, possamos entrar em convergência. Num tempo já que não será o da acção.

Um abraço.

Manuel

sábado, 3 de abril de 2010

A propósito de material e imaterial, património e museus.

Continuação



Pedro Manuel Cardoso:

Caro Manuel de Castro Nunes prossigamos então, com todo o prazer e agradecimento.

Um agradecimento extensivo também à Lista Museum e ao Prof. José d’ Encarnação. Jamais uma boa divergência foi inimiga de uma boa convergência.
O Museu da Gestualidade não nasceu da intenção de cobrir tudo o resto, nem teve uma pretensão hegemónica ou sequer aglutinadora. Em 1986, tal como agora, trabalhava em antropologia com a minha colega Maria Isabel Tristany. Trabalhávamos na investigação da ‘origem da linguagem humana’. Foi aí que encontrámos a ‘gestualidade’. E decidimos fundar o ‘museu’ como plataforma de investigação, sistematização e recolha dos dados que obtínhamos nessa pesquisa. Foi deste modo singelo que tudo começou. Curiosamente, essa intuição acabou na actualidade por adquirir uma importância maior do que aquela que alguma vez esperaríamos. Tentarei resumir essa revalorização actual da gestualidade.
Durante muito tempo, em Ciências Sociais e Humanas (antropologia, sociologia, psicologia), prevaleceu a tese de que a Linguagem teria sido uma invenção humana - tal como a “técnica”, a arte ou a escrita. A Linguagem teria sido um “produto social”, cuja origem deveria ser procurada na lógica e nos fundamentos da organização social (Lévi-Strauss, 1970), e não nas capacidades de um cérebro individual (N. Chomsky). Esta tese culturalista foi mais tarde actualizada por William Noble e Lain Davidson (1996). Todavia Steven Pinker, dando continuidade à perspectiva inatista de N. Chomsky, haveria de apresentar em 1994 uma tese contra-intuitiva na qual a linguagem teria tido origem numa capacidade “biologicamente programada”. Este impasse entre as teses culturalistas e as teses inatistas manteve-se sem solução até à actualidade.
Mais recentemente, Merlim Donald proporia a hipótese de uma origem mimética da linguagem (1997) que se teria desenvolvido desde Australopitecus. Michael C. Corballis da Universidade de Auckland (Nova Zelândia), em 2001, proporia a tese de uma origem gestual da linguagem, que teria sido já utilizada em Homo erectus. O linguista Derek Bickertom (1997) proporia, também desde Homo erectus, a tese da existência de uma espécie de protolinguagem que teria sido a fôrma que teria moldado a linguagem actual. Terrence Deacon (1997) proporia uma tese intermédia, segundo a qual algures durante o processo de hominização teria ocorrido um processo de co-evolução da linguagem e do cérebro. Na actualidade Laura Petitto (2001) e os seus colegas da Universidade Mcgill, em Montreal (Canadá) mostraram por “imagens cerebrais”, utilizando as técnicas PET (tomografia por emissão de positrões), que as zonas que se acreditava estarem apenas especializadas no processamento auditivo da linguagem (sons) também se activavam quando os surdos-mudos comunicavam por ‘gestos’. Então, duas interpretações passaram a poder ser deduzidas destes resultados: - Ou as capacidades de processamento da linguagem eram independentes do canal sensorial, confirmando no cérebro uma estrutura inata propriamente linguística. Ou, ao invés, o cérebro seria especializado no “tratamento de imagens complexas”, quer fossem construídas através de sons ou através de gestos.
Como se vê a gestualidade adquiriu hoje uma importância que antes dos anos 1980, e mesmo dos anos 1990, não tinha. Mas quem a investigava como nós, e tantos outros, estava mais preparado para a intuir.
A questão na actualidade coloca-se do seguinte modo: - A confirmarem-se estes dados, não apenas a “linguagem verbal” mas também a “linguagem não-verbal” podem estar ambas implicadas no processo de “dupla articulação” e de “representação simbólica”, responsáveis pelo processo global de comunicação humana. Este resultado (hipótese) foi decisivo para a revalorização da importância das investigações em gestualidade. Porque passaram a faltar investigações que pudessem indicar de que modo esse entre-cruzamento se realizaria.
No caso da investigação em antropologia que prosseguimos com Maria Isabel Tristany partimos da hipótese de que o cérebro necessitará de fragmentos (‘formas’) que permitam uma representação (‘imagem’), para depois poder associá-la a um ‘sentido/significado aprendido’ (socialmente pertinente). Ou seja, o nosso contributo advém de investigar, em Portugal, em amostras e contextos interactivos bem delimitados, e em confronto com as variáveis género e idade, quais e como são as ‘configurações gestuais’ escolhidas socialmente para se tornarem “representações” e “signos” (“unidades elementares”) constitutivos do processo de comunicação cultural.
Foi assim que o Museu da Gestualidade nasceu. Portanto ainda não ligado ao aprofundamento da questão da Museologia e do Património que fizemos posteriormente.
Caro Manuel de Castro Nunes espero ter respondido, em parte, à questão que me colocou.
Antes de regressar novamente à Museologia e ao Património permitam-me um comentário. Quando os responsáveis e as entidades pelo Património dito “intangível” ou “imaterial” se propõem, por exemplo, fazer o seu ‘inventário’ devem esforçar-se por possuírem as habilitações técnicas e científicas adequadas. Porque são áreas muito desenvolvidas a nível mundial, com que a museologia não está familiarizada. Sugiro que façam uma aproximação, ou mesmo estabeleçam uma parceria, com o Programa Europeu “Origins of Man, Language and languages”, e com a “International Society for Gesture Studies” fundada em 2002.
Mas regressemos novamente ao Património.
A gestualidade é apenas uma parte das quatro partes do ‘objecto patrimonial’. Por exemplo no objecto patrimonial ‘copo’, o ‘modo de beber’ ou o ‘modo de o pegar’ são uma e a mesma coisa patrimonial - seja no Neolítico ou na contemporaneidade, seja no culto ou em ambiente profano. Que obviamente assumiram ‘formas’ (isto é, ‘documentos-dados’) diferentes consoante o tempo histórico. Assim o é também para os fonemas que o anunciam na fala; e para os ícones que o etiquetam, a quem F. Saussure (ou G. Gabelentz, 1891) chamou de “significantes”. Todas estas quatro partes são «uma dinâmica una da realidade constituinte do ‘objecto patrimonial’».
O canto, a música, a desgarrada, o assobio, o pregão, a serenata pertencerão á ‘oralidade’. A quadra e a décima se forem registos alfanuméricos, ou se forem sinais ou escritas e não sons, pertencerão à ‘iconicidade’. Os modos de utilização dos músculos faciais á volta do zigomático, e dos outros no fazer dessa ‘oralidade’ pertencerão outra vez à ‘gestualidade’. Os ‘suportes’ onde tudo isto for registado pertencerão à parte da ‘materialidade’.
Antes de prosseguir que fique esclarecido para quem nos ‘vê’: Não consigo ir muito mais além daquilo que sou capaz. Que é muito pouco. Mas aqui o que fazemos é um diálogo e uma troca. E, na humildade disso, provavelmente não há «respostas». Apenas o fluir que Manuel de Castro Nunes mencionou na epígrafe desta mensagem. Um percurso que não tem fim, nem metas, nem certezas absolutas.
Assim mais leve, e como hipótese acerca da gestualidade e do Património em geral, diria que a deficiência está em nós. Não somos capazes senão de dividir para perceber/compreender. Mas essa limitação não nos impede de percebermos que fragmentámos. Portanto não é impeditiva de definirmos como ‘modelo’ a Unidade. Apesar de não a conseguirmos alcançar.
O problema são os nossos limites perante a evidência duma realidade patrimonial que se nos dá em quatro partes. Mas essa é também a beleza do nosso desafio de viver, perante uma consciência que nos dá à frente aquilo que o metabolismo perceptivo e funcional não é capaz.
É por isso incompreensível a guerra que se está a fazer acerca da mudança do Museu Nacional de Arqueologia. O legado de José Leite de Vasconcelos e a gestão do Património Português são reduzidos à mesquinha questão do(s) ‘museu’.
A falta de consistência nesse debate irá ser aproveitada, se bem antevejo, pelos políticos com letra pequena. Porque os há com letra grande. A Política, para mim, é nobre. E aparecerão também, se bem adivinho, os políticos disfarçados de museólogos (arqueólogos e demais especialidades aparentemente interessadas no Património). Não faltará muito para o debate se cingir às eternas duas facções binárias características do obscurantismo: [‘saio’ ou ‘não saio’]; [é ‘laranja’ ou ‘cor-de-rosa’]; [é ‘vermelho’ ou ‘azul’]?


Uma tristeza… enfim.


Pedro Manuel Cardoso


(Museu da Gestualidade)


Manuel de Castro Nunes:

Estou também convencido de que, neste itinerário, passo a passo, remataremos em convergência, nem que seja na conclusão de que, mau grado os importantes passos na reflexão e na pesquisa sobre a matéria fundamental, a origem, mas também a sede da linguagem, vamos polarizá-la, por razões operacionais no passo em que estamos, na fórmula Strauss versus Chomsky, nos vai levar ao nó que jamais, ou por enquanto não conseguiremos desatar.

E agradeço também à assembleia e ao Professor José d’Encarnação a paciência para nos permitirem dialogar aqui. Tenho a certeza de que a razão foi a de reconhecerem à matéria inequívoca relevância para ser aprofundada.
E creia em que estou sinceramente convencido de que a abordagem, assim em profundidade, das questões que levanta, são cruciais para que se desvaneça a ideia de que o assunto da rearrumação museológica e museográfica é meramente uma questão de circunstância política, quase uma birra, com cores à mistura.
E, uma vez que o Caro Amigo traz como lastro um intenso e extenso itinerário de consolidação das suas ideias e eu me venho agora intrometer nelas, vamos pressupor que do ponto zero, e tenho que o acompanhar passo a passo, só posso atirar-lhe escolhos para o caminho, para que, ao superá-los, me indique a direcção.
Passando por cima da descrição do itinerário de reflexão a montante, bastante detalhada por sinal, mas que ainda retomarei para aferir e comentar algumas referências, poderíamos concluir então que regressamos, todavia ancorados em novos suportes de investigação, à doutrina socrática dos arquétipos. Está de acordo?
Bem. E como já tomei por hábito dar dois passos de cada vez, para podermos progredir com mais celeridade, aproveito para lhe colocar outra questão. Talvez eu esteja cativo de qualquer preconceito, mas, observando genericamente a operação de análise desfragmentatória que opera para aprofundar a percepção radical de como o artefacto, utilizando a sua metáfora, se nos pode apresentar na sua multiplicidade, porque razão insiste depois em regenerá-lo congregado, negando a sua cisão, que já operou.
A mim parece-me, embora admita que possa estar enganado, que está a cair numa cilada. Porque o artefacto, assim decomposto, não caberia na categoria nem no género dos arquétipos socráticos. Por isso após o dividir tem que formular o cúmulo.
E só posso agradecer-lhe a sua disponibilidade. Porque o repto começou por seu e agora sou eu quem quer esvaziar o poço.
Bem… e, como diz, por vezes as divergências só parecem. Podem virar-se do avesso.
Será pois um prazer, diria necessidade, prosseguir. Se tiver a paciência para me aturar.


Um abraço.


Manuel de Castro Nunes

quinta-feira, 1 de abril de 2010

A propósito de material e imaterial, património e museus

Debate em Museum, forum, com Pedro Manuel Cardoso

Material e Imaterial: A estúpida ruptura.

Mais uma vez o António Nabais foi assertivo. Disse:

“É necessário que se explique a esses senhores que dizem que andam a fazer o inquérito do património imaterial o que é o património imaterial. Andam por aí a espalhar aldrabices e não fazem nada para preservar o património imaterial. Basta de tanta incompetência institucionalizada!” (António Nabais, Lista Museum, mensagem n.º 03658, de 25/03/2010 – 16:09).

Não estou de acordo com António Nabais quando designa de “aldrabices” e “incompetência”. Nessa parte não estou de acordo. Não é essa a questão.
Mas quem dera que houvesse mais desta assertividade. Era sinal que não se receava o Debate. E talvez contribuísse para haver um equilíbrio melhor entre ‘debate’ e ‘informações’.
Já me tinha sublevado contra esta estúpida ruptura numa mensagem anterior. Mas entendamo-nos. Não são as Pessoas que são estúpidas, é o argumento e o raciocínio que são utilizados para justificar essa ruptura no Património. Nessa mensagem tinha feito votos para que:

“…Como referi anteriormente, nesta Museum Lista, o Património Pleno exige uma Museologia para sua condutora. Se o fosse, o Património seria gerido na simultaneidade da materialidade, da oralidade, da gestualidade e da iconicidade. Que deve ser o conceito operatório de objecto patrimonial com que se deve trabalhar. E não ouvirmos e assistirmos às recentes ameaças de uma nova e estúpida ruptura, agora entre imaterial e material.” (Pedro Manuel Cardoso, Lista Museum, mensagem n.º 03095, de 01/11/2009 – 00:46:13)

De facto, é um erro científico e metodológico afirmar que existe um novo tipo de Património dito “imaterial” ou “intangível”. Só o pode afirmar quem não está atento à Museologia.
Nós próprios, muito antes desta moda «imaterial-intangível», fundámos um Museu da Gestualidade. Que possui milhares de ‘documentos-dados’ sobre a realidade gestual portuguesa e humana; e tem relações com colegas e universidades em vários sítios do mundo. E recusámo-nos sempre a chamar este Museu de “imaterial” ou “intangível”. Porque se o fizéssemos estávamos a cometer um erro científico e metodológico. Estávamos a infringir a Museologia.
Na mensagem que enviámos sobre a “Instalação dos Museu Nacional de Arqueologia e Museu Nacional de Etnologia em Coimbra” explicámos um pouco o porquê dessa lacuna e desse erro. Dissemos:

“No nosso trabalho de investigação, e nos contributos que já publicámos, mostrámos que a Museologia consegue gerir o Património separando nele três realidades e três instâncias. Consegue separar a responsabilidade pelo(s) ‘suporte’, pelo ‘documento-dado’ e pela ‘informação’; e consegue fazer perceber (tanto aos responsáveis políticos como aos que gerem os museus ou as coleções-objectos) que há uma diferença entre a instância relativa ao(s) ‘objecto-colecção’, ao ‘uso do património’ e ao ‘valor patrimonial’. Permite separar essas seis coisas. Isto é, permite que haja, como soluções disponíveis para gerir o Património, tantas soluções quantas a combinatória desses seis factores/variáveis o permitem.” (Pedro Manuel Cardoso, Lista Museum, mensagem n.º 03650, de 22/03/2010 – 23:10:54)

Talvez seja útil contribuirmos para este Debate com uma explicação mais didáctica. Peço, aos que insistem no “imaterial e intangível”, para passarem os olhos pelo seguinte exemplo, servindo-me de um extracto do trabalho que publicámos: -

“(…) O impacto do Desenvolvimento no Uso - isto é, no modo como se acede e manipula o Património - provocará uma segunda ruptura conceptual: entre ‘documento/dado’ e ‘informação’. O conceito de Património passará a incluir três partes. A ruptura anterior separou-o em duas partes: o ‘suporte’ e o ‘documento/dado’. O impacto do Desenvolvimento no Uso acrescentará as condições pelas quais essas duas partes se poderão constituir, ou não, em ‘informação’. Ou seja, o Património passará a ser igual a [‘suporte’ + ‘documento/dado’ + ‘informação’]. No ponto anterior, relativo ao impacto do Desenvolvimento na variável ‘Objecto’, vimos que, por exemplo uma «norma de conduta» ou um qualquer outro ‘documento-dado’ antes do aparecimento da escrita podiam ser transmitidos de geração para geração num suporte oral, fosse numa mnemónica ou numa retórica ritual; na Suméria podiam ficar registados num suporte de argila; a seguir passar para um papiro egípcio; ou para um papel impresso chinês; depois podiam passar para uma edição impressa de Gutenberg; na época seguinte serem registados num cartão perfurado; serem captados por uma fita magnética; depois por um Compact Disc; por um DVD ou um Blue-Ray; e no futuro por um ‘suporte’ quântico. Vimos assim que esse ‘documento/dado’ (que é a «norma de conduta») era independente de todos esses ‘suportes’ que se foram sucedendo na história humana. Agora, com o impacto do Desenvolvimento na variável Uso, verificaremos que, se o ‘documento-dado’ tivesse continuado a ficar sem acesso, guardado como um tesouro no fundo de um baú, dentro de uma vitrina ou no fundo de uma reserva, jamais alcançaria o estatuto de ‘informação’. Teria desaparecido da nossa memória, e pertenceria ao reino do esquecimento. Ou de outro modo dito, o efeito do Desenvolvimento no Uso fará perceber que a existência quer dos ‘suportes’ quer dos ‘documentos-dados’ não garante só por si o acesso ao conteúdo informativo do Património. Mas esta exigência de um maior acesso e uso do Património, na parte que diz respeito aos ‘suportes’ e aos ‘documentos-dados’, obrigou também à adopção de um «novo modelo de comunicação com essa parte material do Património». Que irá, como veremos, afectar o próprio Valor Patrimonial.” (Pedro Manuel Cardoso, “O Património perante o Desenvolvimento”, ULHT, Lisboa, 2010:228)

Repito. É um erro científico e metodológico afirmar que existe um novo tipo de Património dito “imaterial” ou “intangível”.
O Património é o mesmo.
O que mudou foi a parte do Património relativo ao ‘suporte’. As partes relativas ao ‘documento-dado’, à ‘informação’ e ao ‘valor patrimonial’ mantiveram-se. Portanto é apenas um caso de transferência de ‘suportes’, para a qual também já tínhamos chamado a atenção no “Índice de Avaliação do Trabalho Museal” que propusemos, e onde incluímos exactamente os “coeficientes de transmissibilidade” e de “restituição”.

Pedro Manuel Cardoso

(Museu da Gestualidade)


A nomenclatura em regime de cálculo diferencial

Serve esta para corresponder à solicitação e repto de Pedro Manuel Cardoso, fazendo apenas fluir o comentário e troca de ideias, sem qualquer pretensão de rematar a matéria, pelo contrário.
O aprofundamento da nomenclatura e do seu uso, seja em contexto especulativo ou de aplicação, é sem dúvida um indispensável instrumento de trabalho, do qual resultará o enriquecimento do raciocínio e da acção. No contexto específico da matéria que agora se aborda, a museologia, lança-nos para novas perspectivas na relação com os objectos, com os objectos da museologia, claro, suscitando novas e surpreendentes percepções e intervenções.
É inquestionável a formulação das seis variáveis propostas por Pedro Manuel Cardoso, mau grado puséssemos, a posteriori, formular mais algumas. Não compreendo porque razão essa conceptologia tem que partir da erradicação da conceptologia preliminar que opera a distinção entre o material e o imaterial. Não adiro, obviamente, ao conceito de intangível, porque tanto o material como o imaterial são tangíveis, em estratos de percepção variáveis.
Seja, fica em perda o primeiro factor de incidência exponencial. Tomando material como A e imaterial como B, partiríamos da base exponenciável (A x, +, -, : B) elevado a 6, ao seu quadrado, ao seu cubo, etc..
Em negar a natureza material ou imaterial de um objecto de património, ponderando mesmo a sua coincidência ou acumulação num mesmo objecto, não me parece residir enriquecimento algum, nem para a sua percepção radical, ou o mais possível, nem para o seu uso, ou para a forma como é operado para a fruição, falando no domínio mais estrito da museologia.
Por outro lado, passa-se por cima de uma questão também conceptual fundamental, que é a da duração e do seu registo. E compreendo que para um museólogo da gestualidade tal questão suscite problemáticas deveras complexas. Porque o gesto perdeu a sua materialidade quando se extinguiu, o que pode ser um instante. E se pode ficar registado num suporte material, um registo fotográfico, ou mesmo a memória, uma coisa foi o gesto, outra o material suporte do seu registo.
Como dizia, não pretendo concluir assim e aqui a reflexão sobre a matéria. Mas de que merece ser aprofundada, não tenho dúvidas.
Não sei se vou de encontro ao seu salutar desafio, Espero que sim.

Nota: não sou museólogo, apenas um ser pensante, ou talvez nem isso.

Manuel de Castro Nunes



Re Material e Imaterial – A nomenclatura em regime de cálculo diferencial


Sim. Seria estultícia pretender “rematar a matéria”. Estou plenamente de acordo com Manuel de Castro Nunes.
As variáveis em que decompus o Património ajudam o trabalho prático. Resultaram da indução mais do que da dedução. Para quem tem experiência no trabalho museal são muito mais do que meras reflexões. Ajudam a gerir o Património com mais eficiência. E permitem organizar melhor a cadeia de tarefas que compõem o ‘processo museológico ou de patrimonização’ - desde a ‘Preservação’, passando pela ‘Documentação’ até á ‘Comunicação’. Mas também ajudam a orientar melhor a política museal ou patrimonial.
Também estou de acordo quanto ao erro de desvalorizar a parte dita “material”. A ‘materialidade’, a ‘gestualidade’, a ‘oralidade’ e a ‘iconicidade’ são as substâncias de que o Património é feito. Deveriam possuir um estatuto de igualdade, na importância que merecem por quem tem a responsabilidade de gerir o Património. Portanto será errado opor umas às outras, ou desvalorizar umas em relação às outras. Mas basta fazer as contas aos recursos que são postos em cada uma destas partes para verificarmos a que merece mais preponderância, e a que é mais desprezada.
Mas sobre a ‘materialidade’ a questão também não é simples. Quase todos duvidam de que a ‘materialidade da Gioconda’, daquela que nos é apresentada hoje no Louvre, seja a mesma que a original. O mesmo aconteceu com os ‘objectos’ intervencionados pelo POC 2000-2006 pelo ex-Instituto de Conservação e Restauro. Os ‘objectos’ foram desmanchados, a sua materialidade foi substituída parcial ou totalmente, e depois foram reconstruídos, repintados, relacados e recozidos. E, apesar dessa ‘materialidade substituta’ ser o que temos da sua parte material, eles continuam a ter um valor patrimonial que consideramos suficiente relativamente ao ‘original’. A ‘materialidade’ não é a mesma. Houve a perda “diferencial” que Manuel de Castro Nunes refere. Mas isso não catastrofiza (no sentido de R. Thom) o valor documental e patrimonial.
A questão sobre a “duração e o registo” é para nós a mais interessante. Manuel de Castro Nunes afirmou com muita pertinência: “Porque o gesto perdeu a sua materialidade quando se extinguiu, o que pode ser um instante. E se pode ficar registado num suporte material, um registo fotográfico, ou mesmo a memória, uma coisa foi o gesto, outra o material suporte do seu registo.” (Manuel de Castro Nunes, Museum Lista, 29/03/2010). Até à descoberta da Estrutura do Valor Patrimonial (Pedro Manuel Cardoso, ULHT, 2010) essa extinção parecia ser uma inevitabilidade. Mas a partir do momento em que a investigação prova que existem valores patrimoniais codificados na mnése, feitos de uma informação a priori codificada em mapas mentais (ou “representações”), cujo suporte são as células de lugar no hipocampo, a questão muda de figura. Porque o estatuto do ‘suporte’, do ‘documento-dado’, da ‘informação’ passam a ser também metadados (tal como acontece no ADN). E os ‘museus’ deixam de ser o objecto da Museologia, assim como os hospitais não são o objecto da Medicina, ou as empresas não são o objecto da Economia. Foi isso que me permitiu oferecer uma história alternativa do Património e do percurso museal, com os mesmos dados que os autores construíram a ‘história tradicional’ que ainda vem nos manuais.
Este resultado traz consequências. Por exemplo, esta polémica á volta da re-instalação dos museus deixa de ter sentido para uma Museologia cujo objecto seja a «Gestão da Memória e do Património». Este contributo ajuda a separar o essencial do acessório. Façamos a seguinte pergunta: - Nos Jerónimos, e no espaço designado por Belém, está o quê? Dos valores patrimoniais em competição nesse mesmo território qual o que especifica mais a identidade de Portugal no confronto com os outros países? O que é que lá está que é Património, mas que os outros povos e países também têm? E o que é diferente e caracteriza de forma exclusiva Portugal? O que é que está lá que não é preciso trazer para lá? E o que é que não está lá, e era necessário trazer de outro lado para se fazer um melhor museu? Arqueologia, Descobrimentos, Coches-Transportes, CCB-Arte, Presidência do Regime Republicano…Turismo-Economia-Marca Portugal.
Ou seja, a decomposição nas variáveis que propusemos permite discernir melhor a escolha. E permite perceber de que valores patrimoniais estamos a falar quando falamos genericamente de Património.
A luta de Luís Raposo é o belo de uma luta. E isso também é um valor. Mas não tem nada a ver com um valor patrimonial no sentido da «Gestão da Memória e da Identidade». É uma disputa pessoal que a classe profissional dos arqueólogos corporiza. É a competição por um dos territórios mais ‘sagrados’ para a identidade patrimonial de Portugal.
As respostas àquelas perguntas que formulei seriam o caminho alternativo para uma solução em que essa «Gestão da Memória e da Identidade» não ficaria diminuída, e se sobreporia às questões pessoais, corporativas, políticas ou de ‘honra’.


Pedro Manuel Cardoso

Caro Pedro Manuel Cardoso, no essencial de acordo consigo, considerando que a reflexão encaminhada por esse itinerário que vai traçando nos obriga a repensar muita matéria.
Penso também, em convergência consigo, que, colocada neste estrato e patamar, a argumentação em torno do destino do MNA ganharia outra solidez.
Por esa razão, vou ler com mais detalhe a sua resposta e trocaremos de novo ideias.

Obrigado.

Manuel de Castro Nunes
 
 
A cisão entre ‘Museu Nacional de Arqueologia’ e ‘Museu Nacional de Etnologia’: O esquecimento do legado de José Leite de Vasconcelos.

Nas homenagens que sucessivamente são feitas a José Leite de Vasconcelos verificamos, invariavelmente, um consenso sobre o que representou para a Cultura Portuguesa. Escrevem quase sempre, com justeza, três palavras para o definir: “Filólogo – Arqueólogo – Etnógrafo”.
Esse contínuo daquilo que é específico do ser-humano, neste caso da particularidade disso referente a “Português”, foi uma visão traída pela modernidade de tantas decisões depois dele.
Compreendemos.
Compreendemos, agora distanciados no tempo, que foi, em primeiro lugar, por causa do horror emocional do pós-guerra. Que foi por causa disso que houve um coro de unanimidade na menorização do ‘evolucionismo’ face ao todo-poderoso ‘relativismo/sociologismo’. Desde as polémicas com Franz Boas até às declarações solenes nas “Nações Unidas” por Lévi-Strauss. Depois foi a adesão cega à “Cultura Material”, como prova a priori desse relativismo cultural. Decretaram logo aí o dia-de-finados da «visão contínua e integrada do ser-humano e da sociedade». Foi o tempo de copiar, sobretudo de França. Foi o tempo da exaltação do “Museu de Artes e Ofícios”, da vinda para Portugal de tantos jovens estrangeirados que cheiraram o “Maio de 68”, essa espécie de revolução francesa moderna contra a moralidade do “antigamente”. Foi o tempo de adoptar cegamente a filosofia dos Analles, de A. Leroi-Gourhan e de M. Mauss. Foi o tempo do empenhamento pela imposição da Cultura dita “Popular”.
A Ciência foi dominada pela doutrina do ‘relativismo cultural’, como o havia sido no tempo ignóbil do ‘racismo linear e gradual’.
Uma coisa são os dados, os vestígios e os testemunhos que se obtêm pelo trabalho científico. Outra coisa é o uso político e doutrinário que deles se fazem. Sempre foi assim, e sempre será.
Foram, entre outras, aquelas motivações que justificaram a precipitada cisão entre a “Diferença” (relativismo, sociologismo) e a “Evolução” (evolucionismo, antropologismo). Logo apareceram os mesmos arautos barulhentos de sempre, a decretarem dois mundos diferentes, dois reinos inconciliáveis, duas pretensas epistemologias. Foi essa cegueira ideológica, provocada por aquelas duas ideologias, que fez romper a noção de que «a diferença e a evolução não se opõem quando queremos compreender e patrimonizar o ser-humano». O legado de José Leite de Vasconcelos foi uma das vítimas. Logo foram à pressa cindir a Arqueologia, da Etnologia e da Língua. Fizeram ‘museus’ para esses bocados que partiram. Que são o resultado medíocre do que vemos hoje.
É uma afronta, talvez mesmo um ultraje, virem agora, para dirimirem os conflitos do mal que fizeram, jurar em nome do legado de quem tinha a visão de que a «gestão da memória e do património referente ao ser-humano» se fazia da interdependência entre a Língua, a Arqueologia e a Etnologia.
Volto ao que disse antes, sobre a estúpida ruptura entre “material” e “imaterial”. A diferença entre esses ‘museus’ ou instâncias gere-se separando com clareza o que é ‘suporte’ do que é ‘documento-dado’, do que é ‘informação’. E gerindo museologicamente, com coerência e sistematicidade, o que é ‘materialidade’, ‘iconicidade’, ‘gestualidade’ e ‘oralidade’. Coimbra reuniria a maior dos ‘suportes móveis da materialidade’ desse contínuo arquelógico-etnológico; Lisboa e Porto exporiam a maior parte dos ‘suportes icónicos’ desse património e dessa memória do ‘contínuo humano português’; os locais etno-arqueológicos tão ricos que Portugal tem, em várias Terras, exporiam em rede os ‘suportes imóveis’.
Haverá coragem para esta política museológica e patrimonial? O legado de José Leite de Vasconcelos não nos devia merecer melhor discernimento?
Tanto barulho e tanta algazarra… enquanto o Património e a Memória de Portugal esperam.

Pedro Manuel Cardoso

(Museu da Gestualidade)



Prosseguindo uma troca de ideias, passo a passo.

Caro Pedro Manuel Cardoso, estamos a trocar ideias em tempo real, seja, na crista da onda ou na apropriada circunstância, no momento do cúmulo da ambiguidade, quando, sob a capa de uma renovação do programa museográfico e do pensamento museológico, constatamos a proliferação de projectos para novos museus, os velhos moribundos.
Importante reflectir, sim, agora, por detrás do ruído de circunstância. Passo a passo.
Não posso, por razões de espaço e paciência da audiência, comentar os aspectos de juízo mais ideológicos da sua introdução, que dariam muita matéria, ficará para outro estádio do diálogo, ou do colóquio quando outros vierem reunir-se na cavaqueira.
Retomemos o tema da cisão entre material e imaterial, agora enriquecido com a cisão do Homem, do Homem produtor de pensamento cultural, falando de Leite de Vasconcelos, obviamente, mas de outros também.
E para irmos passo a passo, tomando como mote a sua reflexão sobre a congregação do todo diferencial numa abordagem centrípeta e aglutinadora, sem cisões, gostaria que comentasse uma questão. Porquê então um museu da gestualidade e só? Ou pretenderia a museologia da gestualidade assumir-se como o paradigma de toda a museografia e museologia, reunindo tudo num só tópico, que poderia ser os Jerónimos? Para onde convergiria a etnografia, a arqueologia, porque não a arquivística (?), libertava-se ainda a Torre do Tombo? Giacometi, Lopes Graça, etc.
E, para partirmos de bases sólidas, talvez não compreenda porque o questiono já sobre esta matéria, o canto e a música, a quadra, a décima e a desgarrada são gestualidade? Independentemente do registo de que foram alvo? O assobio, o pregão, a serenata? Tudo isso poderia congregar-se nos Jerónimos ou na Cordoaria? Sem fracturas nem cisões?
O Caro Amigo está a colocar a questão no patamar certo. A reflexão antes da acção. E eu sinto-me sinceramente motivado para o acompanhar, aprendendo a reflectir. Passo a passo. Serenamente, ausentes do ruído, ou com ele ao lado.

Manuel de Castro Nunes

terça-feira, 23 de março de 2010

De novo o Museu Nacional de Arqueologia

O circo das argumentações para suportar incoerências


Coimbra, Évora, Braga, Porto, enfim, será que Paio Pires não encontrará também um argumento para sediar o Museu Nacional de Arqueologia? Ou o Funchal?
Quando o draconiano prazo e topográfico destino estão estabelecidos, qualquer imaginária solução alternativa me parece não pretender mais do que justificar o desalojamento. Só agora os regionalistas despertaram para o apetite?
E, na ausência de política coerente de administração da Rede Nacional de Museus, todos têm o direito por pugnar por melhores e mais qualificados equipamentos museológicos. Seja, os museus estão em agonia. Que tem isso que ver com a questão do desalojamento do MNA? Eu não encontro associação alguma.
Como é óbvio, a actual sede do MNA não é com certeza, do meu ponto de vista, o espaço operacionalmente mais adequado. Necessitaria, obviamente, de se estender progressivamente para outros espaços habilitados ao cumprimento do seu papel como equipamento museológico. Esta questão é muito antiga, nem necessitamos de perder tempo a detalhá-la.
Para tal, todavia, a sua sede visível, que é quase o cartão da sua identidade, não devia ser alienada. Porque é ali que o imaginário da comunidade o identifica e o representa, mesmo para o exterior. É, como o já disse antes, património imaterial, mau grado a sua incontornável materialidade.
Não existem, do meu ponto de vista, razões operacionais que justifiquem o desalojamento. As questões operacionais teriam sempre solução.
A única razão parece ser, objectivamente, um negócio por detrás da porta, uma vez que para a maioria dos portugueses os contornos nem são óbvios.
Mas a questão do MNA afigura-se-me como uma metáfora. A Segunda Pele. Seja, estamos a confrontar-nos com um Estado que parece ter a intenção de fundar uma Nação nova. Para se representar na sua pujança de imaginária revolução, necessita de edificar as suas novas insígnias e rasurar as velhas. Quem não compreender este fenómeno, vai continuar a esgrimir argumentos de circunstância sugeridos pela aflição.
Será que veremos a residência do Primeiro Ministro desalojada de São Bento para um condomínio fechado na Quinta da Marinha? A sede da Presidência da República para a Torre Vasco da Gama? O Ministério da Cultura desalojado do decrépito Palácio da Ajuda para um edifício de raiz a construir no âmbito da re-urbanização do Funchal?
Todos os paradoxos seriam imagináveis.
Porque do que se trata é de vestir a Nação com fato novo para lhe desmantelar a identidade. A Segunda Pele.
É novo? Não. Já acontecera com Duarte Pacheco, quando se reclamava a milenaridade da Nação para lhe subverter a identidade.
Repetiu-se em alguns sussurros, depois.
Agora, está à vista a derrocada. È da mesma sede que dimana a atenuação do peso da disciplina de História dos currículos da escolaridade básica.
Também… da forma como ela era já transmitida…

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Arqueologia e arqueociências

O diálogo entre a Arqueologia e as denominadas suas ciências auxiliares.
Hierarquias de discurso.

Os extractos abaixo são fragmentos de uma sequência de troca de comentários com João Pedro Tereso. São um desafio e uma proposta de reflexão acerca do panorama de áreas disciplinares que hoje convergem para a Arqueologia e um exemplo de como elas se podem e querem centrar em questões relacionadas com os tópicos das ciências humanas, porventura com mais profundidade e consistência do que a própria Arqueologia.


Manuel de Castro Nunes

Caro João Pedro Tereso.

É para mim entusiasmante confrontar-me com um especialista das ditas ciências auxiliares da arqueologia aberto à reflexão sobre questões de natureza teórica ou epistemológica como o Caro Amigo e com a segurança e consistência com que se pronuncia sobre as questões já abordadas. Quando escrevo em itálico ciências auxiliares reporto-me à constatação de que a Arqueologia foi ela própria expelida pela História como ciência auxiliar.

De facto, do meu ponto de vista, não existem ciências auxiliares umas das outras, há circunstâncias em que elas convergem ou se centram nos mesmos tópicos, criando uma multiplicidade de perspectivas de aboradagem. Recentemente replicava a um matemático que seria uma gratificante experiência se um matemático, ou um físico, fosse chamado a arguir uma tese de doutoramento em arqueologia ou história.

É no cruzamento das diversificadas abordagens que dimanam das diversas áreas disciplinares que se reunem sobre um objecto que, estou convicto, resultará a renovação do pensamento histórico e do pensamento arqueológico, da sua narrativa e do seu discurso. Das suas práticas e procedimentos também.

Renovar-se-á também o alcance humano e social das áreas discipçinares que convergem no campo extenso das ciências humanas. É outra questão que poderemos desenvolver depois.

Imagina até onde podíamos levar o aparentemente insignificante episódio da Unidade Estratigráfica 0 que narra no comentário ao seu post Mitos da Historiografia (...)? Como metáfora poder-se-ia escrever um tratado.

Vou com certeza aproveitar a sua abertura, com consideração pela sua limitada disponibilidade, obviamente, para lhe colocar algumas questões, se entender oportuno reunindo outros investigadores cada vez mais interessados em fazer convergir num programa de reflexão epistemológica a maior amplitude de disciplinas.

Devo dizer-lhe que estou de acordo consigo quando sugere que o pensamento não pode imobilizar o natural fluir da investigação operatória. É por isso que, para mim, são os episódios ocorrentes, do tipo UE0, que podem suscitar a reflexão.

Incomodá-lo-ei de novo em breve.

Um abraço.


João Pedro Tereso

Em relação às ciências auxiliares, não fico melindrado como arqueólogo e "arqueobotânico" em ver as minhas áreas de trabalho apelidadas de auxiliares. Não vejo desprimor nessa designação, embora também não veja utilidade na mesma. Espero que caminhemos para um modelo de ciência no qual diferentes disciplinas se articulem em harmonia. Aquando da minha licenciatura achei gritante e constrangedora a ignorância consciente que alguns historiadores (para me fazer compreender, vou esquecer por um momento que os arqueólogos também são historiadores) votavam à investigação arqueológica que versava sobre as mesmas realidades que eles estudavam! Aliás, nos corredores da faculdade (em especial entre alguns docentes) existia até algum desdém para com aqueles que andavam a mexer na terra durante o Verão. Não faz sentido.

Na minha investigação, estou a contactar com corpos conceptuais muito interessantes da área das ciências do ambiente. Vários ramos foram criados já há muitos anos de forma aproximar a investigação antropológica e sociológica da investigação ecológica. O resultado foi o proliferar de artigos sobre "traditional rural landscapes" e "social ecological resilence". Porque o Homem e a Natureza fazem parte da mesma realidade. Logo as ciências que estudam estas realidades não podem permanecer afastadas.

Mais ainda, quero direccionar parte do meu trabalho para a uma "paleoetnobotânica aplicada" que, com base em conceitos como LTER (Long Term Ecological Research) e outros, sustenta que o estudo do passado não tem de ser unicamente escolar (ainda que não seja de todo errado que o seja). Nesta linha de investigação que espero fomentar no futuro - talvez daqui a uns anos - as ciências do passado ou ciências históricas integram-se facilmente nas ciências sociais e naturais dos tempos presentes. Será o Tempo um elemento assim tão relevante para distinguir realidades? Não somos nós ainda sapiens? o trigo não é ainda trigo apesar da manipulação genética?

Em suma, ciências sociais, naturais, passado, presente, futuro... tudo faz parte de uma mesma realidade. Auxiliares? Bem, quando aplicamos estatística, a matemática é auxiliar da arqueologia? A matemática será, então, auxiliar de todas as ciências.

O erro está em assumir que as ciências principais podem viver sem as auxiliares e as auxiliares não fazem sentido sem as principais.

Analisemos:

A Arqueologia existiu muito tempo sem a Arqueobotânica e outras arqueociências. Ainda agora a maioria da arqueologia que se faz, não tem qualquer abordagem às arqueociências. Isto confirma que estas são auxiliares? Não. Só confirma que a maior parte dos arqueólogos faz mal o seu trabalho. É como estar a escavar e só recolher uma parte dos artefactos.

A arqueobotânica, de facto, não existe isolada. Ao estudar arqueobotânica eu estou a estudar arqueologia. Não há distinção. É como se alguém dissesse que estuda ânforas mas não estuda arqueologia.

Isto só me leva a dizer que estamos perante uma realidade una, uma só disciplina, que compartimentamos de forma útil, ainda que em parte artificial.

Em próprio utilizo a expressão "ciência auxiliar". Ás vezes para facilitar a comunicação com o meu interlocutor. No fundo não vejo mal, embora, como já disse, não veja qualquer utilidade na designação. Fico contente por estarmos de acordo em relação a este assunto.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Reflexões de arqueómano

I
Antropofagia

Será que o recalcitrante discurso sobre a antropofagia, presumida como um ritual, nos primórdios da nossa espécie, serve a mera expiação ou esconjura para mitigar a irrefutável contestação de que já nos comemos uns aos outros? Ou ainda...
O que é um ritual?... Não conheço nada que não possa ser, dado que a categoria queda por definir.

II
Síndrome

A excentricidade, seja, a violação dos cânones da simetria, na representação antropomórfica em algumas placas de xisto do Eneolítico, é tida como uma síndrome de quem as imaginou e produziu então, ou de quem as observa agora?

III
Autópsia

Qual a diferença entre uma escavação arqueológica e uma autópsia? Entre um campus arqueológico e o teatro anatómico? Estará o objecto da arqueologia mais morto do que o cadáver? Morbida res? Sem finalidade?

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

As datas no ensino da História

Transcrito de De Rerum Natura.

O sociólogo, escritor e jornalista Francesco Alberoni (na foto) publicou a 2 de Novembro no Corriere della Sera uma crítica ao ensino italiano, cuja versão portuguesa saiu no dia 10 de Novembro no jornal "I". Vale a pena republicá-lo aqui:

"Nos últimos 40 anos, os pedagogos quase destruíram as bases do pensamento racional e os fundamentos da nossa civilização. E fizeram-no com a ajuda de uma única decisão: eliminando as datas, acabando com a obrigatoriedade de apresentar os factos por ordem cronológica. Agora é normal ouvir dizer que Manzoni viveu no século XVI. Não há razões para espanto porque na escola já não se ensinam os acontecimentos pela respectiva ordem temporal, dizendo, por exemplo, que Alexandre Magno viveu antes de César, que, por sua vez, viveu antes de Carlos Magno, e só depois vem Dante e, em seguida, Cristóvão Colombo.
Esta pedagogia foi importada dos Estados Unidos, um país sem história que tenta anular as raízes históricas dos seus habitantes para que se tornem cidadãos norte-americanos. Aplicá-la a Itália, produto de uma estratificação histórica com três mil anos, e ao resto da Europa, que tem raízes culturais gregas, romano e judaico-cristãs, é equivalente a destruir-lhes a identidade. Ao contrário de nós, as civilizações islâmica e chinesa estudam obstinadamente a sua história, para se conhecerem melhor e se reforçarem.
Perder a capacidade de ordenar cronologicamente os acontecimentos significa igualmente perder a identidade pessoal. Quando perguntamos a alguém "Quem és?", essa pessoa conta-nos o que fez e o que faz nesse momento. Quando procuramos trabalho, apresentamos o nosso currículo. Quando nos apaixonamos, contamos a nossa vida à pessoa que amamos. Hoje vemos muita gente que já não sabe ordenar aquilo que viveu e vê o passado apenas como uma sucessão caótica de acontecimentos.
A desordem no pensamento reflecte-se na língua. A escola já não ensina gramática, análise cronológica ou consecutio temporum. Há quem não distinga o passado próximo do passado remoto, quem não perceba a lógica do conjuntivo e do condicional e alguns confundem até o presente com o futuro. É a desagregação mental, a demência.
Cara ministra Gelmini, peço-lhe que me dê ouvidos e afaste todos os pedagogos desta corrente nefasta. E depois, por favor, obrigue todos os professores a fazerem um curso de História com datas e um curso de Gramática. Finalmente, mande instalar em todas as salas de aula um grande cartaz horizontal onde estão assinalados, por ordem cronológica, todos os episódios significativos da história, para que os nossos jovens possam habituar-se à sucessão temporal. Uma muleta para o cérebro."



Francesco Alberoni


ArtemInvenite Manuel de Castro Nunes disse...



Bem, não me parece que o sociólogo Alberoni tenha uma exacta noção da sucessão dos momentos cruciais do pensamento pedagógico e da epistemologia da História nas últimas décadas, talvez por andar ainda a meio do Império Romano na sua saga de fixar datas. Quer-me parecer que, quando concluir essa tarefa, passará a decorar enciclopédias.
Este é o tipo de intervenção que se começa a encravar como uma cunha no espaço exíguo que resta entre o jornalismo trivial e a divulgação social da cultura e da ciência.
Com ou sem datas, a História é uma narrativa que tenta ordenar uma sucessão, ou sobreposição caótica de «acontecimentos».
É óbvio também que não foram os pedagogos quem erradicou a predominante relevância das datas da História. Foi o pensamento epistemológico e a «praxis» da disciplina, histórica, que formularam a ideia de que havia mais para lá dos acontecimentos e da sua sucessão. A Sociologia, bem como a Antropologia Cultural dariam a estas transformações um sólido contributo doutrinal.
Porque escolas terá andado Alberoni? Será que adormeceu há sessenta anos e acordou agora?
E, porventura acordou em Roma com toda a gente à volta a falar inglês. Então pensou: aí vêm os americanos tomar conta da nossa escola.
Por amor de Deus! O estruturalismo é bem europeu... As mais profundas correntes pedagógicas da segunda metade do Século XX também, algumas americanas, mas mais do Sul.
Pelos jornais vai-se dizendo cada uma... O que vale é que já poucos os lêem. Agora vê-se mais televisão.

terça-feira, 24 de novembro de 2009



Hoje estive a rever algumas fotogradias recetes.
Encontrei isto.
Depois fui ver-me ao espelho.
Por favorm, intenem-me!



quarta-feira, 18 de novembro de 2009

O homem que fazia colheres de pau.

O estado da Nação.



O homem que fazia colheres de pau.


Dois sujeitos encontram-se circunstancialmente numa taberna e chegam à fala.


Em certo ponto da conversa vadia, pergunta um:


- E o que é que tu fazes.


- Colheres de pau.


- Colheres de pau?


- Nem mais, colheres de pau.


- E para que servem?


- Hoje em dia, para nada. Agora fazem-nas em plástico.


- Então porque continuas a fazê-las em pau?


- Ora, qualquer dia o plástico acaba-se. As árvores também, deixará de haver pau. Mas já tenho as colheres feitas. É só esperar…


- És esperto, compadre… Mas o que acabará primeiro, o plástico ou tu? Já tens… sessenta anos… não?

domingo, 15 de novembro de 2009

Vamos ver-nos ao espelho

A Profesora Alicia Canto em Archport.


El próximo lunes 23 de noviembre a las 7 pm, en la sede madrileña de la Fundación Carlos de Amberes (c/ Claudio Coello, 99, 28006), tendrá lugar la presentación de un nuevo libro (editado por Akal) del Prof. J.C. Bermejo Barrera, catedrático de Historia Antigua de la Universidad de Santiago de Compostela, desde sus tradicionales reflexiones críticas.



Algunos de los que nos cocemos vivos en el caldo muchas veces hirviente e irrespirable de esta institución, que ha usado de la famosa "autonomía universitaria" para convertirse en un carísimas taifas que se miran complacidas el ombligo a pesar del lamentable lugar que ocupan en los ránkings internacionales, que están llenas de reguli/regulae rodead@s y protegidos por sus cohortes de devoti, como era lo natural que ocurriera tras leyes que desde 1983 han permitido llegar al 85% de endogamia (hace poco he sabido de dos nuevos casos del área de Arqueología en los que el/la mejor candidat@ objetiv@ a una plaza ha sido discrecionalmente fulminado por los "padroni" del candidat@ local), y donde la libertad de pensamiento o el exceso/calidad de la actividad científica de otros se ven como amenazas, no podremos estar más de acuerdo con las reflexiones que contiene este libro, que en parte es una recopilación de sus recientes trabajos parciales sobre el tema, escritos por uno de los pocos "críticos de plantilla" que tenemos en España:


La fábrica de la ignorancia. La universidad del 'como si'


Sinopsis


Suele creerse, y así debería ser, que la universidad es una institución destinada a producir las diferentes clases de saberes, en la que unas personas inteligentes, desinteresadas y dotadas de espíritu crítico desempeñan su labor. La realidad está muy alejada de esta imagen. En los últimos treinta años, las universidades españolas han crecido desmesuradamente sin planificación alguna, al tiempo que recibían cuantiosos medios y comenzaban a producir conocimiento de modo similar a las de los países más desarrollados. No obstante, se ha desembocado en un estrepitoso fracaso y una caótica situación que las ha llevado a ser prácticamente irreformables. Sus sistemas de gobierno, concebidos como mímesis del gobierno de una nación, la multiplicación de centros y la descoordinación absoluta entre las diecisiete autonomías han permitido el secuestro de la universidad por parte de sus profesores y de su personal administrativo. Apelando a modelos políticos y sindicales sólo aparentemente democráticos, se ha logrado anular el espíritu crítico con el fin de poderlas controlar para beneficio de los intereses corporativos y convertir la búsqueda del conocimiento en una enloquecida carrera burocrática en la que todos hablan de lo que no son, en la que nadie cree lo que nadie dice, y en la que su distancia con el mundo real crece a una velocidad de vértigo.


Prólogo: Conócete a ti mismo


Introducción: Oligarquía y caciquismo en la Universidad española


I. La imaginación al poder y la política de la imaginación


II. Usted no sabe con quién está hablando! O cómo la configuración de la universidad como un teatro político consiguió mantener viva la esencia del franquismo


III. El proceso de Bolonia, o cómo cuadricular el caos


IV. ¿En qué creen los profesores y por qué es tan fácil manipularlos?


V. La paradoja de la publicación


VI. Un galimatías económico: el capitalismo imaginario y la génesis de las oligarquías académicas


VII. El funcionario mediocre y el futuro de la universidad española


Bibliografía




El libro en la web de la USC (con el prólogo): Fírgoa es uno de los más interesantes "espacios comunitarios" de una universidad española, lleno de información, comentarios (véanse ambas barras laterales) y novedades del ámbito académico.


Polémica por la absurda censura que el CSIC hizo (mayo de 2008) a un artículo de Bemejo en Arbor (fue retirado "cautelarmente" cuando ya estaba publicado, en papel y en Internet).


Otros artículos de opinión del mismo autor (recomiendo ?El funcionario mediocre y el futuro de la universidad española?)


Añado algo más sobre el poco conocido problema de la endogamia universitaria en España (a la hora de, como le ocurre a gran parte de la sociedad, creerse sin más lo que le cuentan, o respetar indiscriminadamente a sus miembros), y que es un fenómeno que está en la base de muchos problemas denunciados:


El 70% del profesorado titular universitario obtiene su plaza como único candidato (estudio del CSIC, 2006)


"... La mínima competencia por las plazas y la falta de movilidad exterior de los profesores titulares son para los autores los datos más alarmantes de la encuesta. Respecto al acceso, subrayan que el 70% de los titulares ganó su oposición sin competencia, que el 56% se presentaba por primera vez, o que el 71% se había doctorado en el mismo centro donde obtuvo la plaza... En cuanto a la falta de movilidad internacional, es un déficit que se repite a lo largo de todas las etapas de la carrera académica. Así, el 56% de los encuestados no había realizado ninguna estancia en el extranjero durante su etapa posdoctoral (entre la presentación de la tesis y la obtención de la plaza). Tras alcanzar el estatus de funcionario, la movilidad desciende aún más, y son el 80% los que no realizan estancias en el extranjero..."

(Aunque el CSIC, cuyos tribunales, desde el franquismo, siguen siendo nombrados a dedo en su totalidad -como ahora ya también los de la Universidad, tras la "reforma" del presente gobierno-, no puede dar lecciones de endogamia a nadie).


El Pacto de Estado por la Ciencia, los mandarines y los otros (art. en El País, 2004):

"... En la segunda quincena de septiembre de 2002 se celebró, en la Facultad de Ciencias Matemáticas de la Universidad Complutense de Madrid, el I Congreso sobre Corrupción en la Universidad Pública Española. Cien profesores de distintas universidades públicas debatieron los problemas que afectan a estas instituciones: endogamia, prevaricaciones, exclusión de profesores independientes o que se niegan a participar en la corrupción, etcétera. Las actas de este Congreso constituyen una verdadera crónica de horrores. En el Manifiesto se afirma: "Ninguna de nuestras universidades forma parte de las cien mejores del mundo en resultados de investigación". Evidente...."


Crónicas del


Primer Congreso Nacional sobre la Corrupción en la Universidad Pública Española (Alcalá de Henares, 2002)


Segundo congreso sobre la corrupción y el acoso en la universidad pública (Madrid, octubre de 2006).


Tercer congreso sobre la corrupción y el acoso en la universidad pública (Madrid, 17-18 de octubre de 2008)


Plataforma contra la corrupción y el acoso en la universidad pública (permanente, con abundantes casos prácticos, y eso que la inmensa mayoría no se denuncian).


En fin, para qué seguir. Remito a estas más de 21000 entradas en Google sobre el tema.


Como he escrito otras veces, desde los tiempos de don Santiago Ramón y Cajal, quien hace más de un siglo ya dijo que la mala calidad del profesorado era la principal culpable de los fallos en la calidad investigadora y docente españolas, no ha habido gobierno de ningún color que se haya atrevido a "meter el bisturí" (como decía aquel sabio) a la Universidad, y su proliferación (desde las CCAA: 1978) y autonomía (1983...) no han hecho más que empeorar el problema y dificultar su solución. Así que los resultados no pueden ser otros, ni mejores. Pero al menos debemos ser conscientes de ello.


Saludos, A. C.