Mistificações
A aritmética da razão entre arqueólogos a mais, empresas a menos. Vamos recrutar arqueólogos já prontinhos no Brasil.
Bem, disparate não seria. A Ministra da Educação já anunciou o recrutamento de médicos no Brasil e em Espanha, haverá um dia em que virão da Somália, quando as empresas integradas no sistema de saúde já não tiverem dinheiro para lhes pagar.
E início o tópico assim, na brincadeira, para me associar à tontice, não à loucura, a loucura é caso sério, com que o assunto vai sendo abordado em vários contextos. De disparate em disparate, de contradição em contradição, a coisa vai andando à estalada e sem árbitro.
Aparece um a dizer: Não há arqueólogos a mais. Quando as empresas querem arqueólogos, não os há. Anteriormente dissera: Fazendo contas, quando um arqueólogo quer trabalhar para uma empresa, tem que pagar. Tanto para o pão, o leite e a manteiga, tanto para a enxovia, tanto para a carripana que tem que colocar à disposição, saldo (– 100, 00 Euros).
Conclusão, minha, claro: Não há trabalho para tantos arqueólogos porque as empresas não querem ou não podem pagar. Seja, não há trabalho e pronto, porque os arqueólogos não trabalham de graça, para isso existem voluntários, que têm o seu próprio e legítimo domínio.
Onde reside a dúvida? Será necessário, como preliminar para um diagnóstico, fazermos meramente a recolha das lamentações que saturam fóruns, debates, conferências e outros espaços de intervenção visível? Porque para além disso há as conversas de orelha a orelha, no chat ou no messenger, entre os que têm medo ou inibição de se manifestar publicamente. Por vezes, porque não escrevem segundo as normas.
Mas do que ninguém arreda pé é de um determinado modelo de sustentabilidade para a arqueologia, que faliu antes da sua aplicação. Faliu o modelo, porque, como em tudo, enquanto vigorou alguns tiraram dele partido. A arqueologia não tirou.
De modo que, dá-se um empurrão aqui, outro acolá, endireita-se de um lado e machuca-se do outro, a coisa ainda há de ir ao lugar.
Ora, em minha opinião, é uma típica lusa psicose. Se, para reprogramar o futuro, for necessário recensear o passado e a memória, então o futuro que se dane, eu já estou velho, os que vierem que tratem da vida. E há ainda aqueles que, mesmo apertados no limiar da sufocação, ainda cabem no pacote. A esses ninguém os tira de lá, porque há sempre aqueles aos quais a morte espreita.
E é assim que se vive. No teatro das vaidades, a cortina do fundo do palco é opaca e prolonga o cenário.
Há arqueólogos a mais? Há arqueólogos a menos? Empresas que bastem para a serventia de que as obras necessitam. Se é a estes dilemas que um consistente diagnóstico da sustentabilidade da arqueologia necessita de responder, deixando de parte as questões que se colocarão no futuro sobre o que é afinal a arqueologia e quais os patamares e domínios sobre que tem que intervir e como, em referência a que princípios e a que programa de sustentabilidade da comunidade no seu conjunto, o diagnóstico faz-se num ápice, estará porventura até já feito, segundo alguns. Faltam arqueólogos e faltam empresas para se escavar o país de lés a lés, aonde a picareta, o teodolito e o colherim forem precisos, atrás das retroescavadoras.
Eu começo a duvidar de que não existam mais empresas de arqueologia do que de construção civil, mais arqueólogos do que pedreiros ou ladrilhadores. Mas como escasseia o trabalho tanto para umas como para outras, tanto para uns como para outros, fica tudo em pé de igualdade.
Mistificações? Não. Gente distraída.
Bem, podem sempre responder-me que eu não sou arqueólogo. Como queiram. Mas, para mim, arqueologia não é isto que Vossas Excelências andam a fazer. Vossas Excelências não sois arqueólogos. Podereis vir a ser. Assim não. Eu sou.
Os jovens sem trabalho também são arqueólogos. Porque ainda não fizeram nada que se possa excluir da arqueologia pretendendo sê-lo. Porque estão desempregados.
É a primeira parte de uma intervenção que terá que prosseguir. De seguida, vamos a coisas mais objectivas, como arqueólogo gosta. Exempla.
A aritmética da razão entre arqueólogos a mais, empresas a menos. Vamos recrutar arqueólogos já prontinhos no Brasil.
Bem, disparate não seria. A Ministra da Educação já anunciou o recrutamento de médicos no Brasil e em Espanha, haverá um dia em que virão da Somália, quando as empresas integradas no sistema de saúde já não tiverem dinheiro para lhes pagar.
E início o tópico assim, na brincadeira, para me associar à tontice, não à loucura, a loucura é caso sério, com que o assunto vai sendo abordado em vários contextos. De disparate em disparate, de contradição em contradição, a coisa vai andando à estalada e sem árbitro.
Aparece um a dizer: Não há arqueólogos a mais. Quando as empresas querem arqueólogos, não os há. Anteriormente dissera: Fazendo contas, quando um arqueólogo quer trabalhar para uma empresa, tem que pagar. Tanto para o pão, o leite e a manteiga, tanto para a enxovia, tanto para a carripana que tem que colocar à disposição, saldo (– 100, 00 Euros).
Conclusão, minha, claro: Não há trabalho para tantos arqueólogos porque as empresas não querem ou não podem pagar. Seja, não há trabalho e pronto, porque os arqueólogos não trabalham de graça, para isso existem voluntários, que têm o seu próprio e legítimo domínio.
Onde reside a dúvida? Será necessário, como preliminar para um diagnóstico, fazermos meramente a recolha das lamentações que saturam fóruns, debates, conferências e outros espaços de intervenção visível? Porque para além disso há as conversas de orelha a orelha, no chat ou no messenger, entre os que têm medo ou inibição de se manifestar publicamente. Por vezes, porque não escrevem segundo as normas.
Mas do que ninguém arreda pé é de um determinado modelo de sustentabilidade para a arqueologia, que faliu antes da sua aplicação. Faliu o modelo, porque, como em tudo, enquanto vigorou alguns tiraram dele partido. A arqueologia não tirou.
De modo que, dá-se um empurrão aqui, outro acolá, endireita-se de um lado e machuca-se do outro, a coisa ainda há de ir ao lugar.
Ora, em minha opinião, é uma típica lusa psicose. Se, para reprogramar o futuro, for necessário recensear o passado e a memória, então o futuro que se dane, eu já estou velho, os que vierem que tratem da vida. E há ainda aqueles que, mesmo apertados no limiar da sufocação, ainda cabem no pacote. A esses ninguém os tira de lá, porque há sempre aqueles aos quais a morte espreita.
E é assim que se vive. No teatro das vaidades, a cortina do fundo do palco é opaca e prolonga o cenário.
Há arqueólogos a mais? Há arqueólogos a menos? Empresas que bastem para a serventia de que as obras necessitam. Se é a estes dilemas que um consistente diagnóstico da sustentabilidade da arqueologia necessita de responder, deixando de parte as questões que se colocarão no futuro sobre o que é afinal a arqueologia e quais os patamares e domínios sobre que tem que intervir e como, em referência a que princípios e a que programa de sustentabilidade da comunidade no seu conjunto, o diagnóstico faz-se num ápice, estará porventura até já feito, segundo alguns. Faltam arqueólogos e faltam empresas para se escavar o país de lés a lés, aonde a picareta, o teodolito e o colherim forem precisos, atrás das retroescavadoras.
Eu começo a duvidar de que não existam mais empresas de arqueologia do que de construção civil, mais arqueólogos do que pedreiros ou ladrilhadores. Mas como escasseia o trabalho tanto para umas como para outras, tanto para uns como para outros, fica tudo em pé de igualdade.
Mistificações? Não. Gente distraída.
Bem, podem sempre responder-me que eu não sou arqueólogo. Como queiram. Mas, para mim, arqueologia não é isto que Vossas Excelências andam a fazer. Vossas Excelências não sois arqueólogos. Podereis vir a ser. Assim não. Eu sou.
Os jovens sem trabalho também são arqueólogos. Porque ainda não fizeram nada que se possa excluir da arqueologia pretendendo sê-lo. Porque estão desempregados.
É a primeira parte de uma intervenção que terá que prosseguir. De seguida, vamos a coisas mais objectivas, como arqueólogo gosta. Exempla.
Os exemplos.
Trabalhos a mais, cabeça a menos.
O problema surgiu com explícita visibilidade quando o Presidente da Câmara de Viseu lançou o alerta. Os materiais provenientes de uma dezena de anos de trabalhos arqueológicos no Concelho jazem em caixotes nos armazéns das empresas que os realizaram. Não se encontram classificados nem tratados para suportarem a instalação museológica. Bem, o Presidente reclama, mas ainda não há Museu, nem se sabe quando virá a haver.
Na opinião do Presidente, que não é arqueólogo e provavelmente avalia erroneamente a situação, tratar-se-á de cerca de 200.000 referências, na maioria fragmentos. O IGESPPAR não pode proceder à trasladação para o seu foro, porque não dispõe de instalações para acondicionamento de tanto material. Ou de nenhum.
E eu pergunto: isto é arqueologia? Não posso responder, porque não sou arqueólogo. Pelo menos arqueólogo desta arqueologia. Mas é sem dúvida uma das formas como a arqueologia se transmite à comunidade.
Maus exemplos, dir-se-ia. Tomáramos que fossem maus exemplos, circunstanciais.
Ninguém conseguirá fazer um raciocínio elementar? Se o modelo empresarial fosse o modelo eficaz para a sustentabilidade da arqueologia, temos que reconhecer que alguém pôs o carro à frente dos bois. Não estavam constituídos os mecanismos, nem a juzante, nem a montante, que dessem contexto a e suportassem uma intervenção racional das empresas. Entre tais mecanismos inclui-se o normativo legal que administraria a supervisão das entidades tutelares e enquadrasse a intervenção empresarial no quadro de um programa sustentável, referido a vários factores. Assim não sendo trata-se, no mínimo, de capitalismo selvagem.
Seja, os arqueólogos não necessitam de escavar para terem trabalho. De outro modo, chegará o dia em que não haverá nesga já para escavar, mas toneladas de materiais para inventariar, tratar, estudar, enquadrar em museus ou depósitos museológicos. Poderia colocar outras questões, relacionadas com a preservação de materiais e estruturas provenientes e intervencionadas no âmbito destas práticas, mas esse assunto exige ainda muita ponderação para um idóneo diagnóstico.
Deste exemplo, que se poderia multiplicar com outros que todos comentam discretamente, o que se pode concluir? O actual modelo de prática arqueológica terá porventura permitido que se continuasse a escavar, à boleia da legislação que obriga ao acompanhamento arqueológico das intervenções sobre o território, mas mergulhou na irracionalidade absoluta.
Por isso, reclamo um plano estrutural de escavações, porque estou convencido de que nem tudo o que se regista no âmbito de um EIA tem que necessariamente ser escavado. Pode ser registado e protegido de muitas outras formas. E quanto a escavações devia haver um plano que formulasse prioridades que fizessem ponderar uma estratégia de investigação e de valorização qualitativa do conhecimento arqueológico, não meramente cumulativa. E esse plano deveria prevalecer sobre qualquer outra lógica ou irracionalidade circunstancial.
Por isso proponho, suspendam-se as escavações, pelo menos as que não estão já em curso e têm que ser concluídas, até que esta questão seja devidamente ponderada.
É que, se um EDIA não obrigar necessariamente à intervenção intrusiva sobre tudo o que é detectado e registado e obrigar a outras soluções que evitem a destruição mas permitam o registo e a preservação, que acabarão por ser menos dispendiosas para as empresas de construção, geraremos um contexto de solução para outro problema que também vai sendo comentado sem alguém querer assumir que existe. A pressão das empresas de construção sobre as empresas de arqueologia para que se passe em branco por cima de estruturas arqueológicas, ou para que as intervenções se realizem com rapidez sem imobilizar as máquinas.
Quanto à razão quantitativa entre arqueólogos e necessidade do mercado de trabalho, eu tenho que inverter os termos da equação. Não pode haver mais arqueologia para poder haver e podermos formar mais arqueólogos. Temos que formar os arqueólogos de que a arqueologia necessita.
Se já os há a mais, teremos que colocar a questão nos seguintes termos: a formação de novos arqueólogos deve ser ponderada, até que exista um diagnóstico rigoroso, tendo em horizonte a necessidade civilizacional da reprodução e transmissão do saber no futuro.
E termino com a pergunta que todos já deviam ter colocado a si próprios: não será que é às empresas de arqueologia que interessa que haja arqueólogos a mais, simulando que não os encontram no mercado, para ditarem as condições de trabalho de que todos se queixam?
Bem, na crista da onda, já estou a tratar da arqueologia como mercadoria. E era o que queria evitar.
Trabalhos a mais, cabeça a menos.
O problema surgiu com explícita visibilidade quando o Presidente da Câmara de Viseu lançou o alerta. Os materiais provenientes de uma dezena de anos de trabalhos arqueológicos no Concelho jazem em caixotes nos armazéns das empresas que os realizaram. Não se encontram classificados nem tratados para suportarem a instalação museológica. Bem, o Presidente reclama, mas ainda não há Museu, nem se sabe quando virá a haver.
Na opinião do Presidente, que não é arqueólogo e provavelmente avalia erroneamente a situação, tratar-se-á de cerca de 200.000 referências, na maioria fragmentos. O IGESPPAR não pode proceder à trasladação para o seu foro, porque não dispõe de instalações para acondicionamento de tanto material. Ou de nenhum.
E eu pergunto: isto é arqueologia? Não posso responder, porque não sou arqueólogo. Pelo menos arqueólogo desta arqueologia. Mas é sem dúvida uma das formas como a arqueologia se transmite à comunidade.
Maus exemplos, dir-se-ia. Tomáramos que fossem maus exemplos, circunstanciais.
Ninguém conseguirá fazer um raciocínio elementar? Se o modelo empresarial fosse o modelo eficaz para a sustentabilidade da arqueologia, temos que reconhecer que alguém pôs o carro à frente dos bois. Não estavam constituídos os mecanismos, nem a juzante, nem a montante, que dessem contexto a e suportassem uma intervenção racional das empresas. Entre tais mecanismos inclui-se o normativo legal que administraria a supervisão das entidades tutelares e enquadrasse a intervenção empresarial no quadro de um programa sustentável, referido a vários factores. Assim não sendo trata-se, no mínimo, de capitalismo selvagem.
Seja, os arqueólogos não necessitam de escavar para terem trabalho. De outro modo, chegará o dia em que não haverá nesga já para escavar, mas toneladas de materiais para inventariar, tratar, estudar, enquadrar em museus ou depósitos museológicos. Poderia colocar outras questões, relacionadas com a preservação de materiais e estruturas provenientes e intervencionadas no âmbito destas práticas, mas esse assunto exige ainda muita ponderação para um idóneo diagnóstico.
Deste exemplo, que se poderia multiplicar com outros que todos comentam discretamente, o que se pode concluir? O actual modelo de prática arqueológica terá porventura permitido que se continuasse a escavar, à boleia da legislação que obriga ao acompanhamento arqueológico das intervenções sobre o território, mas mergulhou na irracionalidade absoluta.
Por isso, reclamo um plano estrutural de escavações, porque estou convencido de que nem tudo o que se regista no âmbito de um EIA tem que necessariamente ser escavado. Pode ser registado e protegido de muitas outras formas. E quanto a escavações devia haver um plano que formulasse prioridades que fizessem ponderar uma estratégia de investigação e de valorização qualitativa do conhecimento arqueológico, não meramente cumulativa. E esse plano deveria prevalecer sobre qualquer outra lógica ou irracionalidade circunstancial.
Por isso proponho, suspendam-se as escavações, pelo menos as que não estão já em curso e têm que ser concluídas, até que esta questão seja devidamente ponderada.
É que, se um EDIA não obrigar necessariamente à intervenção intrusiva sobre tudo o que é detectado e registado e obrigar a outras soluções que evitem a destruição mas permitam o registo e a preservação, que acabarão por ser menos dispendiosas para as empresas de construção, geraremos um contexto de solução para outro problema que também vai sendo comentado sem alguém querer assumir que existe. A pressão das empresas de construção sobre as empresas de arqueologia para que se passe em branco por cima de estruturas arqueológicas, ou para que as intervenções se realizem com rapidez sem imobilizar as máquinas.
Quanto à razão quantitativa entre arqueólogos e necessidade do mercado de trabalho, eu tenho que inverter os termos da equação. Não pode haver mais arqueologia para poder haver e podermos formar mais arqueólogos. Temos que formar os arqueólogos de que a arqueologia necessita.
Se já os há a mais, teremos que colocar a questão nos seguintes termos: a formação de novos arqueólogos deve ser ponderada, até que exista um diagnóstico rigoroso, tendo em horizonte a necessidade civilizacional da reprodução e transmissão do saber no futuro.
E termino com a pergunta que todos já deviam ter colocado a si próprios: não será que é às empresas de arqueologia que interessa que haja arqueólogos a mais, simulando que não os encontram no mercado, para ditarem as condições de trabalho de que todos se queixam?
Bem, na crista da onda, já estou a tratar da arqueologia como mercadoria. E era o que queria evitar.
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