sexta-feira, 27 de novembro de 2009

As datas no ensino da História

Transcrito de De Rerum Natura.

O sociólogo, escritor e jornalista Francesco Alberoni (na foto) publicou a 2 de Novembro no Corriere della Sera uma crítica ao ensino italiano, cuja versão portuguesa saiu no dia 10 de Novembro no jornal "I". Vale a pena republicá-lo aqui:

"Nos últimos 40 anos, os pedagogos quase destruíram as bases do pensamento racional e os fundamentos da nossa civilização. E fizeram-no com a ajuda de uma única decisão: eliminando as datas, acabando com a obrigatoriedade de apresentar os factos por ordem cronológica. Agora é normal ouvir dizer que Manzoni viveu no século XVI. Não há razões para espanto porque na escola já não se ensinam os acontecimentos pela respectiva ordem temporal, dizendo, por exemplo, que Alexandre Magno viveu antes de César, que, por sua vez, viveu antes de Carlos Magno, e só depois vem Dante e, em seguida, Cristóvão Colombo.
Esta pedagogia foi importada dos Estados Unidos, um país sem história que tenta anular as raízes históricas dos seus habitantes para que se tornem cidadãos norte-americanos. Aplicá-la a Itália, produto de uma estratificação histórica com três mil anos, e ao resto da Europa, que tem raízes culturais gregas, romano e judaico-cristãs, é equivalente a destruir-lhes a identidade. Ao contrário de nós, as civilizações islâmica e chinesa estudam obstinadamente a sua história, para se conhecerem melhor e se reforçarem.
Perder a capacidade de ordenar cronologicamente os acontecimentos significa igualmente perder a identidade pessoal. Quando perguntamos a alguém "Quem és?", essa pessoa conta-nos o que fez e o que faz nesse momento. Quando procuramos trabalho, apresentamos o nosso currículo. Quando nos apaixonamos, contamos a nossa vida à pessoa que amamos. Hoje vemos muita gente que já não sabe ordenar aquilo que viveu e vê o passado apenas como uma sucessão caótica de acontecimentos.
A desordem no pensamento reflecte-se na língua. A escola já não ensina gramática, análise cronológica ou consecutio temporum. Há quem não distinga o passado próximo do passado remoto, quem não perceba a lógica do conjuntivo e do condicional e alguns confundem até o presente com o futuro. É a desagregação mental, a demência.
Cara ministra Gelmini, peço-lhe que me dê ouvidos e afaste todos os pedagogos desta corrente nefasta. E depois, por favor, obrigue todos os professores a fazerem um curso de História com datas e um curso de Gramática. Finalmente, mande instalar em todas as salas de aula um grande cartaz horizontal onde estão assinalados, por ordem cronológica, todos os episódios significativos da história, para que os nossos jovens possam habituar-se à sucessão temporal. Uma muleta para o cérebro."



Francesco Alberoni


ArtemInvenite Manuel de Castro Nunes disse...



Bem, não me parece que o sociólogo Alberoni tenha uma exacta noção da sucessão dos momentos cruciais do pensamento pedagógico e da epistemologia da História nas últimas décadas, talvez por andar ainda a meio do Império Romano na sua saga de fixar datas. Quer-me parecer que, quando concluir essa tarefa, passará a decorar enciclopédias.
Este é o tipo de intervenção que se começa a encravar como uma cunha no espaço exíguo que resta entre o jornalismo trivial e a divulgação social da cultura e da ciência.
Com ou sem datas, a História é uma narrativa que tenta ordenar uma sucessão, ou sobreposição caótica de «acontecimentos».
É óbvio também que não foram os pedagogos quem erradicou a predominante relevância das datas da História. Foi o pensamento epistemológico e a «praxis» da disciplina, histórica, que formularam a ideia de que havia mais para lá dos acontecimentos e da sua sucessão. A Sociologia, bem como a Antropologia Cultural dariam a estas transformações um sólido contributo doutrinal.
Porque escolas terá andado Alberoni? Será que adormeceu há sessenta anos e acordou agora?
E, porventura acordou em Roma com toda a gente à volta a falar inglês. Então pensou: aí vêm os americanos tomar conta da nossa escola.
Por amor de Deus! O estruturalismo é bem europeu... As mais profundas correntes pedagógicas da segunda metade do Século XX também, algumas americanas, mas mais do Sul.
Pelos jornais vai-se dizendo cada uma... O que vale é que já poucos os lêem. Agora vê-se mais televisão.

terça-feira, 24 de novembro de 2009



Hoje estive a rever algumas fotogradias recetes.
Encontrei isto.
Depois fui ver-me ao espelho.
Por favorm, intenem-me!



quarta-feira, 18 de novembro de 2009

O homem que fazia colheres de pau.

O estado da Nação.



O homem que fazia colheres de pau.


Dois sujeitos encontram-se circunstancialmente numa taberna e chegam à fala.


Em certo ponto da conversa vadia, pergunta um:


- E o que é que tu fazes.


- Colheres de pau.


- Colheres de pau?


- Nem mais, colheres de pau.


- E para que servem?


- Hoje em dia, para nada. Agora fazem-nas em plástico.


- Então porque continuas a fazê-las em pau?


- Ora, qualquer dia o plástico acaba-se. As árvores também, deixará de haver pau. Mas já tenho as colheres feitas. É só esperar…


- És esperto, compadre… Mas o que acabará primeiro, o plástico ou tu? Já tens… sessenta anos… não?

domingo, 15 de novembro de 2009

Vamos ver-nos ao espelho

A Profesora Alicia Canto em Archport.


El próximo lunes 23 de noviembre a las 7 pm, en la sede madrileña de la Fundación Carlos de Amberes (c/ Claudio Coello, 99, 28006), tendrá lugar la presentación de un nuevo libro (editado por Akal) del Prof. J.C. Bermejo Barrera, catedrático de Historia Antigua de la Universidad de Santiago de Compostela, desde sus tradicionales reflexiones críticas.



Algunos de los que nos cocemos vivos en el caldo muchas veces hirviente e irrespirable de esta institución, que ha usado de la famosa "autonomía universitaria" para convertirse en un carísimas taifas que se miran complacidas el ombligo a pesar del lamentable lugar que ocupan en los ránkings internacionales, que están llenas de reguli/regulae rodead@s y protegidos por sus cohortes de devoti, como era lo natural que ocurriera tras leyes que desde 1983 han permitido llegar al 85% de endogamia (hace poco he sabido de dos nuevos casos del área de Arqueología en los que el/la mejor candidat@ objetiv@ a una plaza ha sido discrecionalmente fulminado por los "padroni" del candidat@ local), y donde la libertad de pensamiento o el exceso/calidad de la actividad científica de otros se ven como amenazas, no podremos estar más de acuerdo con las reflexiones que contiene este libro, que en parte es una recopilación de sus recientes trabajos parciales sobre el tema, escritos por uno de los pocos "críticos de plantilla" que tenemos en España:


La fábrica de la ignorancia. La universidad del 'como si'


Sinopsis


Suele creerse, y así debería ser, que la universidad es una institución destinada a producir las diferentes clases de saberes, en la que unas personas inteligentes, desinteresadas y dotadas de espíritu crítico desempeñan su labor. La realidad está muy alejada de esta imagen. En los últimos treinta años, las universidades españolas han crecido desmesuradamente sin planificación alguna, al tiempo que recibían cuantiosos medios y comenzaban a producir conocimiento de modo similar a las de los países más desarrollados. No obstante, se ha desembocado en un estrepitoso fracaso y una caótica situación que las ha llevado a ser prácticamente irreformables. Sus sistemas de gobierno, concebidos como mímesis del gobierno de una nación, la multiplicación de centros y la descoordinación absoluta entre las diecisiete autonomías han permitido el secuestro de la universidad por parte de sus profesores y de su personal administrativo. Apelando a modelos políticos y sindicales sólo aparentemente democráticos, se ha logrado anular el espíritu crítico con el fin de poderlas controlar para beneficio de los intereses corporativos y convertir la búsqueda del conocimiento en una enloquecida carrera burocrática en la que todos hablan de lo que no son, en la que nadie cree lo que nadie dice, y en la que su distancia con el mundo real crece a una velocidad de vértigo.


Prólogo: Conócete a ti mismo


Introducción: Oligarquía y caciquismo en la Universidad española


I. La imaginación al poder y la política de la imaginación


II. Usted no sabe con quién está hablando! O cómo la configuración de la universidad como un teatro político consiguió mantener viva la esencia del franquismo


III. El proceso de Bolonia, o cómo cuadricular el caos


IV. ¿En qué creen los profesores y por qué es tan fácil manipularlos?


V. La paradoja de la publicación


VI. Un galimatías económico: el capitalismo imaginario y la génesis de las oligarquías académicas


VII. El funcionario mediocre y el futuro de la universidad española


Bibliografía




El libro en la web de la USC (con el prólogo): Fírgoa es uno de los más interesantes "espacios comunitarios" de una universidad española, lleno de información, comentarios (véanse ambas barras laterales) y novedades del ámbito académico.


Polémica por la absurda censura que el CSIC hizo (mayo de 2008) a un artículo de Bemejo en Arbor (fue retirado "cautelarmente" cuando ya estaba publicado, en papel y en Internet).


Otros artículos de opinión del mismo autor (recomiendo ?El funcionario mediocre y el futuro de la universidad española?)


Añado algo más sobre el poco conocido problema de la endogamia universitaria en España (a la hora de, como le ocurre a gran parte de la sociedad, creerse sin más lo que le cuentan, o respetar indiscriminadamente a sus miembros), y que es un fenómeno que está en la base de muchos problemas denunciados:


El 70% del profesorado titular universitario obtiene su plaza como único candidato (estudio del CSIC, 2006)


"... La mínima competencia por las plazas y la falta de movilidad exterior de los profesores titulares son para los autores los datos más alarmantes de la encuesta. Respecto al acceso, subrayan que el 70% de los titulares ganó su oposición sin competencia, que el 56% se presentaba por primera vez, o que el 71% se había doctorado en el mismo centro donde obtuvo la plaza... En cuanto a la falta de movilidad internacional, es un déficit que se repite a lo largo de todas las etapas de la carrera académica. Así, el 56% de los encuestados no había realizado ninguna estancia en el extranjero durante su etapa posdoctoral (entre la presentación de la tesis y la obtención de la plaza). Tras alcanzar el estatus de funcionario, la movilidad desciende aún más, y son el 80% los que no realizan estancias en el extranjero..."

(Aunque el CSIC, cuyos tribunales, desde el franquismo, siguen siendo nombrados a dedo en su totalidad -como ahora ya también los de la Universidad, tras la "reforma" del presente gobierno-, no puede dar lecciones de endogamia a nadie).


El Pacto de Estado por la Ciencia, los mandarines y los otros (art. en El País, 2004):

"... En la segunda quincena de septiembre de 2002 se celebró, en la Facultad de Ciencias Matemáticas de la Universidad Complutense de Madrid, el I Congreso sobre Corrupción en la Universidad Pública Española. Cien profesores de distintas universidades públicas debatieron los problemas que afectan a estas instituciones: endogamia, prevaricaciones, exclusión de profesores independientes o que se niegan a participar en la corrupción, etcétera. Las actas de este Congreso constituyen una verdadera crónica de horrores. En el Manifiesto se afirma: "Ninguna de nuestras universidades forma parte de las cien mejores del mundo en resultados de investigación". Evidente...."


Crónicas del


Primer Congreso Nacional sobre la Corrupción en la Universidad Pública Española (Alcalá de Henares, 2002)


Segundo congreso sobre la corrupción y el acoso en la universidad pública (Madrid, octubre de 2006).


Tercer congreso sobre la corrupción y el acoso en la universidad pública (Madrid, 17-18 de octubre de 2008)


Plataforma contra la corrupción y el acoso en la universidad pública (permanente, con abundantes casos prácticos, y eso que la inmensa mayoría no se denuncian).


En fin, para qué seguir. Remito a estas más de 21000 entradas en Google sobre el tema.


Como he escrito otras veces, desde los tiempos de don Santiago Ramón y Cajal, quien hace más de un siglo ya dijo que la mala calidad del profesorado era la principal culpable de los fallos en la calidad investigadora y docente españolas, no ha habido gobierno de ningún color que se haya atrevido a "meter el bisturí" (como decía aquel sabio) a la Universidad, y su proliferación (desde las CCAA: 1978) y autonomía (1983...) no han hecho más que empeorar el problema y dificultar su solución. Así que los resultados no pueden ser otros, ni mejores. Pero al menos debemos ser conscientes de ello.


Saludos, A. C.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

A propósito da peregrina ideia de supressão do Museu Nacional de Arqueologia

A propósito da peregrina ideia de supressão do Museu Nacional de Arqueologia



Bem, não há ideia que, do ponto de vista doutrinário, não seja válida como proposta de reflexão e ponderação. E se não houver ideias novas, mesmo que venhamos a verificar que não têm nem tinham qualquer sentido ou oportunidade, ficaremos circunscritos às velhas, que foram, no acto e tempo da sua formulação, novas.


Vem isto a propósito do retomar da questão no âmbito de uma troca de intervenções em archport a propósito da forma como se encontram expostos os monumentos epigráficos recolhidos no Museu de Idanha.


Não sendo esse o propósito desta breve intervenção, devo exprimir o meu apoio à ideia de destacar, através de pintura da cavidade de incisão dos caracteres, o texto. Nem compreendo que critério pressupostamente fundamentalista o impediria. Acrescentaria que na época da sua execução as cavidades incisas correspondentes aos caracteres deviam ser, em muitos dos casos, preenchidas com betume, colorido com pigmentos, metodologia a que se recorreria nos séculos XVI, XVII e XVIII. Mas esta é outra questão para outra oportunidade.


Porque a matéria extravagou para outra, a da supressão do Museu Nacional de Arqueologia. Cerca de um mês após se saber que o seu actual Director fora reconduzido no cargo. Pelo que o assunto parece assumir duas vertentes.


Uma, política e circunstancial, relaciona-se, do meu ponto de vista, com efemeridades políticas. Seja: uma vez reconduzido no cargo um dos mais acérrimos opositores à desinstalação do Museu da sua actual sede, sem um consistente programa de reinstalação, pois então suprima-se, fica o assunto arrumado, com os espólios empacotados na Cordoaria, à espera que os museus regionais e locais, na maioria moribundos, os possam realojar.


Outra vertente entronca numa doutrina muito antiga, que reflecte sobre a oportunidade e o sentido dos museus nacionais.


E esta questão, sim, tem toda a legitimidade, como proposta de reflexão capaz de produzir novas doutrinas e práticas no domínio da museologia e da gestão dos equipamentos museológicos.


Pretendo contribuir de forma estruturada para o desenvolvimento do tema. E fá-lo-ei estruturado por dois tópicos:


A reinstalação do Museu Nacional de Arqueologia não pressupõe necessariamente a alienação do espaço de referência onde permanece instalado desde 1906, aberto ao público, desde 1900, afectação do edifício. Pressupõe a afectação de novas instalações operacionais que lhe permitam desempenhar e reforçar o seu papel.


O Museu Nacional de Arqueologia não vale pelos espólios que alberga. Vale como instituição, como referência indelével e axial na História da Arqueologia em Portugal. Como já o afirmei, é património cultural material e imaterial. Como símbolo e insígnia, a ocupação do seu domínio no Mosteiro dos Jerónimos deve ser considerado património imaterial da História da Arqueologia em Portugal.


Que o Museu Nacional de Arqueologia não devia ser o único e singular repositório não só de espólios materiais, mas também de referências imateriais, está subjacente a um processo de diligências e medidas concretas que se consubstanciam entre os anos de 1971 e 2001.


O Museu Nacional de Arqueologia não é necessariamente um agressor dos anseios de uma consistente musealização de proximidade, que refira a cultura arqueológica aos seus tópicos de referência e procedência. Só o reforço programado e consistente da rede nacional de museus permitirá, no futuro, redefinir o papel insubstituível do Museu Nacional de Arqueologia.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Quem manda calar quem?

Quem manda calar quem?




Ontem de manhã, 4 de Outubro, poucos minutos após fazer um breve comentário sobre o programa RADIO-PAST do Professor Frank Vermeulen, CIDEUHS, EU, em archport,, recebi no meu mail uma mensagem, de resto similar a tantas outras, mais insultuosas e por vezes ameaçadoras, expedida por um anónimo.


Resolvi endereçá-la para archport, para que os demais participantes do fórum pudessem ajuizar sobre a disparatada interpretação, do meu ponto de vista, que alguns fazem do papel e âmbito do fórum. Arriscar-me-ia, como é óbvio, a que a comunidade em uníssono me mandasse calar.


Bem, mas enquanto não me mandarem calar, eu não me calo. Quem me pode mandar calar é a Administração de archport, cancelando a minha inscrição. E não fará mais do que usar das suas prerrogativas.


Mas fiquei a interrogar-me. Quem manda calar quem? E por que razão tanta gente me interpela para que me cale?


Revi então a minha lista de intervenções em archport, comparando-as com a maioria das restantes. E não enxergo razão para que me mandem calar. A quem estarei a incomodar?


A única razão apontada, até agora, é a de que eu redijo em muito bom Português. E tal incomoda aos que não o compreendem.


Eu não acho que redija em tão bom Português. Mas seria aprovado se passasse a redigir em Chinês? Ou Inglês, simplesmente? Não. Passariam então a reclamar que redigia em mau Inglês.


Mas talvez o argumento seja simulado. Quem poderia ficar tão incomodado com a divulgação da novidade de que, entre nós, já existem equipamentos e dispositivos da mais avançada operacionalidade para proceder a uma exaustiva avaliação não intrusiva do potencial arqueológico de um local? Ou com outras matérias?


Vai-me dando ânimo o facto de o número daqueles que me vão interpelando para que continue, exceder largamente o dos que me mandam calar.


A não ser que alguns tenham vontade e fiquem calados.


Sou um velho republicano democrata. Se a maioria me mandar explicitamente calar em archport eu vou apregoar para o Rossio. E aí sim, posso falar em Português, Chinês ou Inglês, porque ninguém me ouve, passarão todos com muita pressa.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Claude Levy-Strauss

Claude Levy-Strauss



Um dos meus irmãos licenciou-se em Antropologia na FCH da UNL. Costumava e costuma contar um episódio agora oportuno.


Um belo dia um dos seus professores, iniciou a primeira aula da manhã com um comentário esfuziante.


- Caros amigos, durante a última semana estive a ler um livro que vos recomendo vivamente. Li em Francês, o título em Português será…, deixa cá ver Alfredo… deixa cá ver Alfredo… Tristes Trópicos. Notável. E o autor é um antropólogo pouco divulgado, Claude Levy-Strauss. Atenção, não é o das valsas.


Os alunos, atónitos com o inesperado, olhavam uns para os outros para perceberem quem iria replicar. Ninguém o fez.


E durante o intervalo seguinte a única interrogação que se colocavam uns aos outros era:


- Será que ele está mesmo certo de que não é o das valsas?


Resta assinalar que estávamos em 1980 ou 81.


Tenho a certeza de que o excelso professor, surpreendido ontem pela notícia do seu falecimento, estará a pensar:


- Já ouvi falar deste sujeito…

sábado, 24 de outubro de 2009

Provedor do Património

Um Provedor para o património cultural




Desde aqui, do nosso tópico de observadores, por vezes atónitos, do que vai ocorrendo no domínio dos conflitos entre interesses e pontos de vista, no que respeita a uma sensata e consensual política de promoção, valorização e preservação do património cultural, não podemos deixar de fazer o registo de que, no contexto do agravamento de uma crise estrutural de valores, não só financeiros e materiais, cada vez se torna mais urgente uma intervenção arbitral, de bom espírito e boa fé, capaz de intervir no sentido de mitigar as conflituosidades crescentes entre múltiplos intervenientes públicos e privados, institucionalmente tutelares ou dimanados da livre associação de múltiplos segmentos da dita sociedade civil.


À guerra, ninguém vai resolver nada. E necessitamos cada vez mais de uma intervenção benfazeja, consensualmente legitimada, credenciada para intervir nas matérias em relação às quais nem as instituições tutelares, nem as transmissoras do ponto de vista da legítima vontade de a comunidade intervir conseguem encontrar convergência.


A figura de um Provedor, supra-partidário, supra-político e supra-institucional, mas investido num papel consensualmente reconhecido, faz hoje todo o sentido.


Abordo aqui exclusivamente o domínio do património cultural material. Espero que outros se manifestem sobre o imaterial.


À atenção da recém-nomeada Ministra da Cultura e de todos as entidades e cidadãos envolvidos na defesa, valorização e promoção do património cultural.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Novas práticas de salvaguarda do património arqueológico

João Paulo Pereira, sobre Novas práticas de salvaguarda do património arqueológico.


Não querendo subestimar a utilidade de tal tecnologia, que permite uma observação do terreno sem intrusões, gostaria de reflectir sobre o contexto em que se deveria ou poderia utilizá-la.
Muito antes de se chegar ao momento de olhar para as máquinas de construção de um projecto actual, seja estrada ou um polígono fabril, para ver se aparece ou não qualquer coisa a que se possa chamar de vestígio arqueológico, poderemos reconstruir um percurso metodológico, que para alguns de nós, pode não der novidade nenhuma. Também não tenho a intenção nenhuma de mostrar qualquer novidade.
Quando nasce uma ideia de projecto actual, salta logo a pergunta ao projectista ou ao idealista: Que projecto quero eu fazer? Onde vou fazer este projecto? Que problemas posso eu encontrar para o fazer?
A interacção entre um projecto e o local da sua realização começa desde cedo.
O levantamento daquilo que existe no local do projecto a realizar é uma das tarefas mais árduas e longas para a gestão desse mesmo projecto, exigindo um esforço financeiro e de recursos humanos bastante forte. Entre as várias equipas, as de arqueologia e ou as de património cultural são as que mais sobressaem ao que me traz aqui.
Depois de definir, em geral, mais do que um local de estudo para um projecto actual, as equipas terão um ponto de partida para realizar:


• Levantamento bibliográfico,


• Levantamento cartográfico (topografia, toponímias, simbologia cartográfica, etc.)


• Levantamento nas bases de dados existentes,


• Levantamento de campo, vulgo prospecção arqueológica terrestre e em alguns casos, subaquática.


É neste último ponto, que a prospecção remota pode, e pelos vistos, deve, entrar como um dos meios para aumentar a eficácia dos levantamentos arqueológicos. Dependendo dos custos operacionais, que ignoro completamente, terão de ser escolhidas estratégias adequadas para aproveitar ao máximo esta mesma tecnologia. Estas estratégias poderão passar pela selecção de pontos e ou transeptos dentro da área do projecto.
No entanto, é de salientar a importância de a equipa de arqueologia se relacionar com as restantes equipas de projecto, de modo a que seja possível uma adequação eficaz entre a forma (geométrica) e localização do projecto e a realidade dos vestígios arqueológicos conhecidos e os que vão sendo conhecidos ao longo das várias etapas dos vários levantamentos arqueológicos.
O ideal será a criação de um projecto actual que não interfira com vestígios arqueológicos.
Definida a forma e a localização do projecto e logo antes do início desse mesmo projecto, podem iniciar-se diversos trabalhos arqueológicos de acompanhamento e ou mesmo de prevenção do risco de afectação dos valores patrimoniais.
Reconhecidos alguns dos pontos críticos do projecto actual poderão ser usadas várias técnicas de observação do solo a afectar por esse mesmo projecto. Mais uma vez, entre a prospecção terrestre (simples, a pé) e subaquática (se for caso disso), sondagens arqueológicas clássicas, também a detecção remota poderá ter um papel a desempenhar na referida prevenção, agora e naturalmente mais tardia, de vestígios arqueológicos.
É claro que existe um certo grau de imprevisibilidade quanto ao desenrolar dos trabalhos arqueológicos relacionados com um projecto actual desde o seu início. É aqui (e noutros aspectos que agora não interessa desenvolver) que o PNTA terá de ter características diferenciadas do PNTA de investigação clássica e também nos termos actuais em que se solicita autorização para trabalhos arqueológicos no âmbito das acções de prevenção (o grupo C do formulário do IGESPAR).

João Paulo Pereira

domingo, 18 de outubro de 2009

Novas Práticas de Salvaguarda do Património Arqueológico

Novas práticas de salvaguarda do património arqueológico







A aplicação prévia de meios de prospecção remota em trabalhos de EIA e acompanhamento de obra.



Os meus primeiros contactos com a exploração consequente da potencialidade dos meios de detecção remota na prática da prospecção arqueológica remontam a 1985, no âmbito de um projecto transdisciplinar integrado, reunindo os departamentos de Ecologia (Arquitectura Paisagística e Engenharia Biofísica) e História da Universidade de Évora.

Não escavei senão na minha juventude. A prospecção arqueológica e a compreensão integrada das relações mais consistentes do homem com o território, nomeadamente a história dos itinerários viários e a sua relação com o povoamento, tornaram-se desde muito cedo o tópico da minha investigação arqueológica.

No tempo a que estou a remontar, os utensílios mais eficazes eram ainda a observação estereoscópica das fotografias aéreas dos voos USAF que serviram de suporte à elaboração à Carta Militar de Portugal. Começaram então a estar disponíveis, através de encomendas circunstanciais, registos de imagem mais elaborados realizados a partir de satélite com um ainda exíguo espectro de radiações, nomeadamente infra-vermelhos.

É talvez de particular interesse registar que, tal como agora, a produção dos meios remotos aplicados à arqueologia tinham origem no desenvolvimento da tecnologia militar. Neste tempo, o mero acesso a uma fotografia aérea militar obedecia a requisitos rigorosos de autorização.

Esta complexa burocracia, aliada ao elevado preço das cartas e fotografias, exigia um trabalho preliminar de investigação documental, no domínio arquivístico, toponímico, etc., que justificasse a prospecção detalhada de áreas específicas. O contexto gratificante do projecto de trabalho em que nos inseríamos era, precisamente, caracterizado pela facilidade de utilizarmos suportes requeridos para um amplo espectro disciplinar de investigação regional, cruzando os materiais requeridos para múltiplos fins.

No domínio arquivístico, a manipulação dos meios de detecção remota era suportada por exaustivos dados centrados em levantamentos cadastrais, medievais, modernos e contemporâneos, depois confirmados nas suas marcas indeléveis na paisagem.

O regime de trabalho era todavia ainda artesanal, a investigação decorria nos escassos intervalos de uma agenda lectiva e de gestão de conflituosidades, tão profundamente enquistada no meio académico, que transformavam a investigação num hobby.

Bem, isto passava-se há cerca de vinte e cinco anos.

Mas o mínimo que poderia alegar, já nesse tempo, era que estes escassos meios poderiam permitir o varrimento prévio de uma dada área onde se projectasse uma intervenção intrusiva sobre o território, de forma a identificar com alguma operacionalidade as estruturas que pudessem vir a ser afectadas. Os maiores cataclismos recenseados associavam-se na altura aos grandes empreendimentos de florestação, nomeadamente plantação de eucaliptais, que proliferavam por todo o Alentejo central.

Só posteriormente surgiriam os episódios dos empreendimentos rodoviários e hidráulicos.

Entretanto, desde os inícios da década de noventa começa a consolidar-se uma nova área transdisciplinar em apoio à investigação arqueológica, reunindo a melhoria de múltiplos domínios, a Arqueometria, incidindo sobre o estudo aprofundado de artefactos, desde a datação à sua composição material e procedimentos de confecção, o estudo consistente de materiais biológicos, restos humanos, fauna e flora associada aos locais de povoamento, enfim uma infinidade de recursos de trabalho. E, no mesmo âmbito, desenvolvem-se novas perspectivas de prospecção remota, multiplicando meios e dispositivos de elevada sofisticação, que envolvem já a tomografia.

Talvez, depois das imagens com origem em satélites, com radiações e filtros específicos, a metodologia que gerou os primeiros resultados consistentes foi a da utilização de matrizes pré-concebidas com base nos denominados crop circles, que ainda recentemente resultou em descobertas significativas associadas a Stonehenge. Mas desde a década de noventa do Século passado que as tecnologias se vão desenvolvendo em ritmo consequente, com recurso à avaliação de várias metodologias.

Embora programemos para breve uma avaliação circunstanciada dos diversos dispositivos e metodologias disponíveis, um bom guia para uma avaliação preliminar da complexidade dos recursos disponíveis será o arquivo digital de Department of Archaeological Sciences, University of Bradford.

http://www.brad.ac.uk/acad/archsci/subject/archpros/archp_nf.php

Recentemente Júlia McMurrow, do Departamento de Geografia e Arqueologia da Universidade de Manchester, editou a revisão de um clássico de 1990, Archaeologial Prospecting and Remote Sensing, de I. Scollar, A. Tabbagh, A. Hesse e I. Hertzog, Cambridge UP, em A review in (…), International Journal of Remote Sensing, Volume 30, 2009, Taylor and Francis. On line:

http://www.informaworld.com/smpp/title~content=t713722504~link=cover

Como é óbvio, todavia, a prospecção remota depara-se com sérias limitações em contexto urbano, determinando o recurso a dispositivos e metodologias muito complexas, e a metodologia de mais acessível acesso continua a ser a tradicional prospecção geofísica, através da extracção de amostras estratigráficas com a utilização de brocas cranianas de longo alcance, cuja utilização foi concebida pela indústria mineira. Dados todavia surpreendentes foram divulgados recentemente no âmbito da aplicação em Roma do Programa PORTUS (archport, Alexandre Monteiro). Bem como o número IX, 8 de POMPEI. INSULA DEL CENTENARIO, I, Indagini Diagnostiche Geofisiche e Analisi Archeometriche, coordenação de Sara Santoro.

Mas verdadeiramente surpreendentes são os resultados que podem ser obtidos através da utilização de utensílios tão triviais como uma habilidosa utilização de Google Earth ou Visual Earth. Neste domínio, entre nós, gostaríamos de sugerir o exemplo do grupo responsável pela Carta Arqueológica do Concelho de Évora, envolvendo de resto um precursor na optimização destes recursos, Manuel Calado. Com ele fiz os primeiros aterradores voos em ultra-leve, na pré-história da prospecção remota.

Ora, vem isto ao caso da matéria em que venho recalcitrando. O acompanhamento de obra deve iniciar-se antes do seu início e em sede de projecto, com recurso aos dispositivos de prospecção não intrusiva que cada vez mais estarão ao nosso alcance. Um Plano Nacional de Trabalhos Arqueológicos não pode deixar de contemplar a aquisição progressiva, por parte de instituições privadas e públicas, dos dispositivos necessários a uma eficaz prática de diagnóstico remoto, mesmo em regime de partilha programada.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Plano Nacional de Trabalhos Arqueológicos. Comentários de João Paulo Pereira.

Comentários de João Paulo Pereira a Comentando o papel de um Plano Nacional de Trabalhos Arqueológicos.

A verde e em itálico

Eis então a minha opinião acerca do que poderia ser um Plano Nacional de Trabalhos Arqueológicos que pudesse contribuir para que a Arqueologia se tornasse uma actividade estruturalmente sustentável, sem violar os princípios éticos e deontológicos tidos como pressupostos na relação com o património cultural.
Não posso deixar contudo de introduzir alguns comentários preliminares breves.
A Arqueologia é, em princípio, um domínio do conhecimento e da investigação. O seu domínio de intervenção estende-se, no âmbito da aplicação prática das suas aquisições, a várias áreas associadas à preservação, valorização e recuperação do património cultural. Esse domínio de aplicação contribui depois, ele próprio, para a aquisição de aprofundamento de novos dados disponíveis para o enriquecimento do conhecimento disciplinar.
O que seria verdadeiramente paradoxal seria que os critérios das boas práticas de salvaguarda e preservação se subvertessem em consequência da ânsia de aquisição de dados cumulativos que suportassem acréscimos também cumulativos no panorama do conhecimento disciplinar. É no imbricado deste nó górdio, que as mais complexas questões devem ser colocadas. Ainda aparecerá um Alexandre para o desmembrar a fio de espada…
Seja, se não existir um programa de investigação arqueológica estruturado, contemplando as várias áreas, cronológicas, tópicas, territoriais, que determine estratégias de investigação e intervenção, as intervenções conjunturais e emergentes tornar-se-ão na fonte predominante do conhecimento arqueológico. Seja, a investigação só avança na medida em que forem surgindo situações de emergência no domínio da salvaguarda e preservação. A Arqueologia fica cativa do súbito emergir da circunstância, tornou-se uma prática de acontecimento fortuito.

Será necessário evidenciar dois tipos de cativação a que te referes: uma, relacionada com os achamentos fortuitos oriundos da demanda dos trabalhos de prospecção arqueológica no âmbito dos Estudos de Impacte Ambiental, os quais estão sujeitos a uma lógica que em nada está relacionada com uma investigação arqueológica científica; outra, relacionada com alguma aleatoriedade existente na investigação em curso no âmbito dos projectos organizados por universidades, associações, “campos arqueológicos” e afins, os quais, sem querer tirar o seu mérito, estão sujeitos a lógicas de investigação relacionadas com âmbitos locais, âmbitos de gosto pessoal de cada investigador, âmbitos relacionados com tradições de investigação (por exemplo: Coimbra – Romano). Este sector carece de uma organização na investigação arqueológica que se faz. Esta afirmação pode ser falsa por eventual desconhecimento do facto de os investigadores universitários e os outros se reúnam ou não para programar a investigação nacional.
Esta questão doutrinária dar-nos-ia ocasião para um tratado. E poder-se-ia alegar que a medicina só evolui porque existem doentes e prática clínica. E esta é de facto uma questão estrutural que aproxima epistemologicamente a medicina da arqueologia. E da física, ou da química, quando também o seu avanço é determinado pelas necessidades de inovação da tecnologia de guerra.
Alguém teria paciência para ponderar estas questões? Duvido. Porque formámos gerações de arqueólogos a quem transmitimos a ideia de que arqueologia é escavar, portanto aproveitem-se todas as ocasiões para escavar, seja onde for e a que propósito, porque se não houver escavações não há investigação arqueológica, nem, saliente-se, enquadramento profissional para os arqueólogos.

Esta falta de paciência também estará relacionada com o estado actual da mentalidade / ideologia cada vez mais espalhada e contagiada pelo verbo ter com base no adjectivo depressa.
E os materiais exumados amontoam-se sem destino e com registos sumários, talvez venham a ocupar algumas gerações no futuro. E as estruturas intervencionadas até podem ser arrasadas após a escavação, ou de novo soterradas em condições de protecção sumária, porque a mais eficaz protecção era exactamente a sua jazida natural. Ou ficarem a céu aberto disponíveis para visita e à espera de nova ruína, porque não há dinheiro nem recursos para manutenção, nem sequer para acompanhamento permanente.
Bem, não é oportuno para já abordar as questões relacionadas com as irregularidades que no domínio da intervenção empresarial se têm cometido, quer no âmbito de negociações com dono obra no sentido de não perturbar o curso normal de empreitadas, quer no descaminho de materiais exumados. E tais práticas legitimam-se muitas vezes no domínio da estratégia de sustentabilidade de empresas que não erm previsivelmente sustentáveis, ou porque não nasceram com vocação empresarial, ou porque a vocação empresarial pressupunha a erradicação dos limites impostos pela deontologia. Talvez nem valha a pena desenvolver a questão, senão reestruturar os enquadramentos que corrijam essa matéria. Seria uma forma de ponderar essa questão, que não pode deixar de ser ponderada.
Retomando então o tema do PNTA, a questão prévia que continua sem orientação operacional é a própria definição de trabalho arqueológico e das suas múltiplas categorias. Sem tal orientação não é possível congeminar um PNTA que remeta para contextos específicos e com enquadramentos diferenciados as múltiplas tipologias de trabalhos arqueológicos e qual o seu âmbito.
Um PNTA tem que equacionar a sua sustentabilidade de vários pontos de vista. Do ponto de vista financeiro, como se aprovisiona e como se suporta e pode contribuir para gerar riqueza, usando um tópico corrente trivial. Do ponto de vista comunitário de que forma contribui para a consolidação do tecido comunitário, para a sua valorização, para o seu bem estar, para o reforço dos vínculos solidários do reconhecimento da sua identidade. De que forma pode contribuir para resolver um problema crucial para a sociedade, seja, o reequilíbrio territorial, o desenvolvimento regional.
O ponto de vista do conhecimento disciplinar, das suas prioridades e orientações estratégicas e o equilíbrio entre todos os segmentos da investigação. A esta questão associa-se a da reprodução do saber, seja a do ensino e da estrutura académica.
Sem equacionar e ponderar a posição relativa d todas estas questões, um PNTA será sempre um Plano coxo e precário, apto a gerar mais guerras do que consensos e ameaçado pela iminência de que um acontecimento imponderável, como seja o empolamento de uma descoberta que impõe a imediata intervenção intrusiva, com a consequente mobilização de recursos e subversão de estabilidades programadas, o venha desmantelar.

O PNTA para deixar de ser coxo tem de ter a participação dos interessados de forma directa, ou seja, o sistema regulador (Estado), os investigadores universitários, os particulares e os inseridos noutros esquemas formais (associações, campos arqueológicos, câmaras municipais, empresas e particulares).
Um PNTA consequente, do meu ponto de vista, só será viável no contexto de um quadro regulador da actividade empresarial.
Não é suficiente. A investigação particular e a universitária também precisa de regulação.
Seja necessitaria de uma APA, ou qualquer outra ordem ou estrutura de associação profissional, sólida e de uma associação empresarial reguladora.
Seja, um PNTA colocar-se-ia a juzante de muitas outras medidas de enquadramento. Senão tornar-se-á no contexto de enquadramento dos múltiplos Planos Pessoais de Trabalhos Arqueológicos centrados no seu próprio umbigo.

Isso é o que existe. Não creio que uma ordem ponha ordem nisso. Só acredito na vontade das pessoas devidamente demonstrada nas suas decisões e actos. De uma vez por todas, os vários grupos têm de se sentar à mesma mesa para falar e decidir sobre isto: o que fazer com as várias investigações arqueológicas.
Numa próxima, desenvolverei o tema dos dispositivos tecnológicos disponíveis para que os EIA se possam tornar cada vez menos necessariamente intrusivos, de metodologias de preservação e salvaguarda alternativas e da reabilitação e requalificação do parque arqueológico. E da forma como novas perspectivas sobre a matéria s podem enquadrar num PNTA sustentável e consistente.
Tendo em conta que um PNTA deve ser um instrumento de reforço da solidariedade e partilha comunitária.


Nem mais. Será necessário que as pessoas envolvidas sintam isso como natural.

A investigação arqueológica organizada num PNTA deverá ter as seguintes alterações em relação ao que acontece hoje em dia:

- aumentar o âmbito temporal. 5 – 10 anos.
- aumentar a democraticidade e transparência da sua construção através da participação dos vários grupos interessados: regulação, universidades, associações e campos arqueológicos, empresas e particulares. Para eliminar aquela soma de pedidos anuais sobre a qual um pequeno grupo restrito e eventualmente permeável e pressões, decida quem vai ou não fazer o que seja.
- criar grupos diferentes de PNTA, embora possam e devam estar interligados:
PNTA para projectos e trabalhos de investigação arqueológica científica / tradicional;
PNTA para emergências, consubstanciada na existência de equipas multidisciplinares para atender a estes casos e também para a realização de trabalhos ditos de prevenção no âmbito dos EIA’s;
PNTA direccionada para a protecção, salvaguarda e valorização dos sítios e saberes;
PNTA direccionado para o estudo dos materiais já exumados existentes nos” armazéns” dos museus.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Plano Nacional de Trabalhos Arqueológicos

Comentando o papel de um Plano Nacional de Trabalhos Arqueológicos
Caro Amigo.

Eis então a minha opinião acerca do que poderia ser um Plano Nacional de Trabalhos Arqueológicos que pudesse contribuir para que a Arqueologia se tornasse uma actividade estruturalmente sustentável, sem violar os princípios éticos e deontológicos tidos como pressupostos para a relação com o património cultural.
Não posso deixar contudo de introduzir alguns comentários preliminares breves.
A Arqueologia é, em princípio, um domínio do conhecimento e da investigação. O seu domínio de intervenção estende-se, no âmbito da aplicação prática das suas aquisições, a várias áreas associadas à preservação, valorização e recuperação do património cultural. Esse domínio de aplicação contribui depois, ele próprio, para a aquisição e aprofundamento de novos dados disponíveis para o enriquecimento do conhecimento disciplinar.
Verdadeiramente paradoxal seria que os critérios das boas práticas de salvaguarda e preservação se subvertessem em consequência da ânsia de aquisição de dados cumulativos que suportassem acréscimos, também cumulativos, no panorama do conhecimento disciplinar. É no imbricado deste nó górdio que as mais complexas questões devem ser colocadas. Ainda aparecerá um Alexandre para o desmembrar a fio de espada…
Seja, se não existir um programa de investigação arqueológica estruturado, contemplando as várias áreas, cronológicas, tópicas, territoriais, que determine estratégias de investigação e intervenção, as intervenções conjunturais e emergentes tornar-se-ão na fonte predominante do conhecimento arqueológico. Seja, a investigação só avança na medida em que forem surgindo situações de emergência no domínio da salvaguarda e preservação. A Arqueologia fica cativa do súbito emergir da circunstância, tornou-se uma prática de acontecimento fortuito.
Esta questão doutrinária dar-nos-ia ocasião para um tratado. E poder-se-ia alegar que a medicina só evolui porque existem doentes e prática clínica. E esta é de facto uma questão estrutural que aproxima epistemologicamente a medicina da arqueologia. E da física, ou da química, quando também o seu avanço é determinado pelas necessidades de inovação da tecnologia de guerra.
Alguém teria paciência para ponderar estas questões? Duvido. Porque formámos gerações de arqueólogos a quem transmitimos a ideia de que arqueologia é escavar, portanto aproveitem-se todas as ocasiões para escavar, seja onde for e a que propósito, porque se não houver escavações não há investigação arqueológica, nem, saliente-se, enquadramento profissional para os arqueólogos.
E os materiais exumados amontoam-se sem destino e com registos sumários, talvez venham a ocupar algumas gerações no futuro. E as estruturas intervencionadas até podem ser arrasadas após a escavação, ou de novo soterradas em condições de protecção sumária, porque a mais eficaz protecção era exactamente a sua jazida natural. Ou ficarem a céu aberto disponíveis para visita e à espera de nova ruína, porque não há dinheiro nem recursos para manutenção, nem sequer para acompanhamento permanente.
Bem, não é oportuno para já abordar as questões relacionadas com as irregularidades que no domínio da intervenção empresarial se têm cometido, quer no âmbito de negociações com dono obra no sentido de não perturbar o curso normal de empreitadas, quer no descaminho de materiais exumados. E tais práticas legitimam-se muitas vezes no domínio da estratégia de sustentabilidade de empresas que não eram previsivelmente sustentáveis, ou porque não nasceram com vocação empresarial, ou porque a vocação empresarial pressupunha a erradicação dos limites impostos pela deontologia. Talvez nem valha a pena desenvolver a questão, senão reestruturar os enquadramentos que corrijam essa matéria. Seria uma forma de ponderar o assunto, que não pode deixar de ser ponderado.
Retomando então o tema do PNTA, a questão prévia que continua sem orientação operacional é a própria definição de trabalho arqueológico e das suas múltiplas categorias. Sem tal orientação não é possível congeminar um PNTA que remeta para contextos específicos e com enquadramentos diferenciados as múltiplas tipologias de trabalhos arqueológicos e qual o seu âmbito.
Um PNTA tem que equacionar a sua sustentabilidade de vários pontos de vista. Do ponto de vista financeiro, como se aprovisiona e como se suporta e pode contribuir para gerar riqueza, usando um tópico corrente trivial. Do ponto de vista comunitário, de que forma contribui para a consolidação do tecido comunitário, para a sua valorização, para o seu bem estar, para o reforço dos vínculos solidários do reconhecimento da sua identidade. De que forma pode contribuir para resolver um problema crucial para a sociedade, seja, o reequilíbrio territorial, o desenvolvimento regional. O ponto de vista do conhecimento disciplinar, das suas prioridades e orientações estratégicas e o equilíbrio entre todos os segmentos da investigação. A esta questão associa-se a da reprodução do saber, seja a do ensino e da estrutura académica.
Sem equacionar e ponderar a posição relativa de todas estas questões, um PNTA será sempre um Plano coxo e precário, apto a gerar mais guerras do que consensos e ameaçado pela iminência de que um acontecimento imponderável, como seja o empolamento de uma descoberta que impõe a imediata intervenção intrusiva, com a consequente mobilização de recursos e subversão de estabilidades programadas, o venha desmantelar.
Um PNTA consequente, do meu ponto de vista, só será viável no contexto de um quadro regulador da actividade empresarial. Seja, necessitaria de uma APA, ou qualquer outra ordem ou estrutura de associação profissional, sólida e de uma associação empresarial reguladora.
Seja, um PNTA colocar-se-ia a jusante de muitas outras medidas de enquadramento. Senão tornar-se-á no contexto de enquadramento dos múltiplos Planos Pessoais de Trabalhos Arqueológicos centrados no seu próprio umbigo.
Numa próxima, desenvolverei o tema dos dispositivos tecnológicos disponíveis para que os EIA se possam tornar cada vez menos necessariamente intrusivos, de metodologias de preservação e salvaguarda alternativas e da reabilitação e requalificação do parque arqueológico. E da forma como novas perspectivas sobre a matéria se podem enquadrar num PNTA sustentável e consistente.
Tem do em conta que um PNTA deve ser um instrumento de reforço da solidariedade e partilha comunitária.

Abraço.

Manuel

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Um discurso sobre o ignoto

Viriato, a Lusitânia e os romanos.
Um discurso sobre o ignoto.
Há uns anos, um amigo meu propôs-me que escrevesse um livro sobre os lusitanos e Viriato. Debatemos longamente a ideia e respondi-lhe que não sabia como o fazer sem entrar por itinerários recalcitrantes a que não se apresentava destino. Foi muito difícil transmitir-lhe que, para mim, os temas concernentes aos lusitanos e a Viriato não podiam ser abordados senão no domínio da hermenêutica do discurso historiográfico e da epopeia e da análise do contexto da construção de um mito e das suas sucessivas recodificações.
Mas resolvi escrever o livro. Entretanto, outras obrigações e devoções obrigaram-me a suspendê-lo. Ficou confinado a uma introdução e um programa.
Paralelamente a esse programa, corria outro, também suspenso, que tentava delinear uma nova metodologia na abordagem às fontes documentais que transferiam, sucessivamente e ao longo de várias eras, para o contexto do reordenamento do território tópicos estruturantes do que a análise da informação arqueologia já fazia supor para a relação do homem com o território desde, pelo menos, a época romana. Limina restituta. As demarcações medievais e a história do território. Território, partilha, cadastro, ordenamento e tráfego. Projecto.
Ainda bem. Era empresa ciclópica, para a qual concluí que deveria mobilizar uma pequena equipe.
Aqui fica o desafio.
http//sites.google.com/site/elmanodargus/

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Quem já viu um fresco como este?


Os fóruns archport e histport foram durante o dia 18 de Agosto inesperadamente sede de um frenesi, porque uma arqueóloga solicitou, no seguimento de um trabalho de acompanhamento arqueológico, informação sobre umas pinturas parietais a fresco liminarmente triviais. Trata-se da Igreja Matriz de Pederneira e os frescos já tinham sido identificados e alvos de registo desde 2007, de acordo com a informação exaustiva divulgada por Carlos Fidalgo.
Será que a arqueóloga Sandra Caçador existe mesmo e está a acompanhar trabalhos arqueológicos, na Igreja Matriz de Pederneira?
A continuar assim a coisa, só nos resta esperar para ver aonde vai parar.
Que os arqueólogos estavam a derrapar centrifugamente para fora do âmbito da História e mesmo da cultura já era visível. Tanto, todavia, fica mal.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Orientação para uma intervenção epistemológica

Arqueologia
Desconstruir para construir. Uma autópsia.




Prólogo


Perdoem-me que, previamente, retome aqui um tema recalcitrante em todas as minhas cogitações epistemológicas, quando abordo o tema do paradigma da modernidade no itinerário do conhecimento humano. Tendo como certo que a minha mira está orientada para a história e, no seu âmbito, a arqueologia. A arqueologia, para mim, não consegue evadir-se do âmbito da história, por mais que o conhecimento se vá fragmentando e as suas regiões, ou nações, anseiem pela autonomia.(1)
E retomo então a medicina. Consciente de que a retomo agora num novo e mais lúcido patamar, porque superei aquele de que partira, cerca de vinte anos atrás.
Porque nesse primeiro patamar conseguira meramente operar o registo de que a disputa entre a medicina e a cirurgia, quer como disciplinas, quer como ordens corporativas, configurava, como metáfora, o nó axial dos contenciosos envolventes da ruptura da modernidade, que residia na autonomia e antinomia de dois patamares da laboração do conhecimento, a teoria e a prática. E que a prática passara a incorporar o domínio do juízo sobre a legitimidade dos procedimentos que suportavam a progressão no itinerário do conhecimento. A medicina tornara-se metaforicamente no paradigma do experimentalismo, na sua matriz.(2)
A recalcitrante disputa entre a modernidade e a tradição cristalizou, durante mais de três séculos, na disputa entre médicos e cirurgiões e entre estes e os oficiais tradicionais das práticas operativas, sangradores, barbeiros, meios-cirurgiões, etc.
Sucessivamente, a medicina, que soçobrava face ao assédio das práticas operativas e da cirurgia, transformava-se numa prática predominantemente intrusiva. O próprio aprofundamento do conhecimento experimental propedêutico do organismo humano, da sua fábrica, aglutinava-se agora em torno da anatomia. E os anatomistas balbuciavam com crescente insistência o seu anseio de passar da dissecação do organismo morto à do organismo vivo. E o culminar dessa insistência fora sugerido pelo próprio Vesalio ao insinuar a prática da vivissecação do cérebro.(3)
E é desta metáfora e da sua derradeira compreensão que posso passar para o patamar superior da manipulação da gesta medicinae, para interrogar as cruciais questões a que, superados todos os ismos, a epistemologia tem que responder.
E é por isso que o meu ponto de partida não é mais um pós ismo qualquer, é ante. Nem pós-moderno, nem pós-estruturalista, nem pós-funcionalista, nem pós-marxista. É ante adversusque mdernitatem. Seja, é a prospecção dos itinerários, ou dos trilhos, pelos quais a progressão do conhecimento poderia ter enveredado no ponto exacto da ruptura com a tradição. Que horizontes lhe estavam virtualmente abertos?(4)
E devo advertir que não se trata meramente de uma reflexão epistemológica, trata-se também de uma reflexão ética e deontológica. Porque propõe a reunião da epistemologia com a ética.
E os ismos existem e impuseram-se nas nossa relações com o conhecimento e os seus itinerários, na presunção de as distinguir, no tempo e na espécie, porque o próprio itinerário do conhecimento é uma epopeia. Um ismo é uma operação narrativa de distinção, do género epopaico, que pretende, meramente, aglutinar em torno de um tópico pressupostamente doutrinário uma sucessão, na maior parte das vezes aleatória, de episódios de reflexão. Ou de prática disciplinar.
E não posso deixar de propor desde já uma reflexão. A arqueologia iniciou o seu itinerário centrífugo em relação à história, em direcção à autonomia, assumindo-se como uma ciência auxiliar da história. Súbita e brevemente, a arqueologia não era já uma, mas múltiplas ciências auxiliares da história, cada uma assumindo um âmbito específico de autonomia. Mas não passou muito tempo até que a arqueologia tratasse a história como uma ciência, cada vez mais longínqua, auxiliar da arqueologia.
Ora, é esta uma das razões porque invoco a história da medicina como paradigma. Afinal, não foi mais do que isto que se passou, no dealbar da modernidade, no que concerne à relação da medicina com as suas disciplinas ou práticas adjuvantes. Não tardaria que a cirurgia olhasse com sobranceria a medicina, não como prática ou doutrina adjuvante, mas mesmo como território inibidor de vigilância ideológica.





Notas


1. Devo desde já chamar a atenção para que, tomando por tópico a desconstrução de um discurso disciplinar, a minha intervenção epistemológica visa a reconstrução de um discurso disciplinar aglutinante, que, depois de proceder à dissecação anatómica dos discursos fragmentados, procedendo a uma sócio-psicanálise profunda dos contextos históricos que lhe serviram de suporte, consiga propor uma orientação ética para toda a actividade do conhecimento. Ver nota 4.

2. Manuel d Castro Nunes, 1992, Évora, No limiar de uma história da medicina em Portugal. A “medicina popular”. Contribuições para a identificação de um género. Manuel de Castro Nunes, 1993, Évora, O Capuchinho Vermelho. Laudas para um projecto de trabalhos em História da Medicina e da Cultura Médica em Portugal.
http://demedicare.blogspot.com/

3. O tema da vivissecação do cérebro, que passa subtilmente em claro nas canónicas abordagens à obra de Vesalio e do seu significado, poderia por si, como alegoria ou metáfora, ser objecto de um tratado. Em última análise denuncia a alucinação pela ânsia de conhecimento radical do próprio sujeito do conhecimento, no presumido tópico da sua sede. É o primeiro intuito de auto psicanálise. E tal como em toda a obra de Vesalio nem se compreende se a sua anatomia pretende consagrar a harmonia da fábrica, ou as circunstâncias da ocorrência da sua patologia.
Quando invoco aqui a matéria como metáfora tenho em mira a vivissecação do processo de conhecimento, intrometendo-me sobretudo nas fracturas, ou fissuras, que consigo determinar entre a teoria, ou doutrina, e a prática.



4. Ao utilizarmos a expressão ponto exacto, poderia utilizar episódio ou episódios singulares, tenho a consciência de que estou a intrometer aqui outro tópico da epistemologia recente da história, adjacente ao estruturalismo, a relação entre a longa e a breve duração. Ora, esta foi a matéria a partir da qual congeminei as minhas primeiras abordagens à história da medicina e posso concluir que me evadi da falsa equação pela porta de trás. Porque o que concluo é que a longa duração não passava de uma representação, um mero modelo de observação da realidade, que não era senão a sucessão de episódios ocorrentes sem qualquer nexo. O nexo fora constituído pela narrativa e os seus motivos eram aleatórios, pois eram determinados por sucessivos estratos de episódios narrativos, depósitos de detritos cuja análise e compreensão não era já tangível. E iniciara-se no estrato de contemporaneidade do episódio e fora a primeira operação de aglutinação de um episódio com outro episódio. Afinal, a longa duração tinha ela própria uma história e operava com os utensílios que, sucessivamente, em sucessivas estratigrafias narrativas, restavam ao historiador como vestígio ou indício da realidade a que procurava aceder.
Ao longo desta abordagem, não poderei deixar de reformular este tema.
No que aos ismos respeita, é suficiente neste ponto anunciar que este texto integrará um capítulo específico que dissecará o processo histórico de sucessão de ismos que dissimulam a singularidade de uma intervenção e a sua contextualização na efemeridade do momento em que foi suscitada. Qualquer ismo, como metanarrativa que representa a aglutinação de um discurso em torno de uma corrente contínua, ou mais ou menos contínua de pensamento e discurso, torna-se ele próprio numa operação retórica de representação.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

O que é e o que deve ser a APA

O que é e o que deve ser a APA

Há pouco mais de uma semana, interpelada em archport, a Presidente da APA revelou que a associação conta actualmente com 323 associados. É lamentável. Porque, em minha opinião, a APA, a única estrutura associativa dos profissionais arqueólogos em torno de documentos programáticos de referência eticamente irrepreensíveis, como adiante documentarei, deveria estar já a assumir um papel regulador da prática arqueológica que lhe tem sido vedado quer pela sua representatividade, quer pela sobranceria com que as entidades tutelares do Estado com ela se relacionam. De resto, o menosprezo que o Estado dispensa à APA, reflecte-se obviamente no fluxo de adesão. Provavelmente, nem pretendem as entidades tutelares outra coisa.
Para prosseguirmos este raciocínio importa-nos citar os resultados apresentados por Maria José de Almeida, 2007, Inquérito Nacional à Actividade Arqueológica (…), PRAXIS ARQUEOLÒGICA 2, referentes ao inquérito realizado no ano antecedente, 2006. Face ao reconhecimento da ausência de resposta por parte das empresas de arqueologia, Maria José de Almeida lamenta: Infelizmente, a fraca receptividade que o nosso inquérito teve junto das outras entidades que participam na promoção de actividade arqueológica impede-nos de ir mais longe e de apresentar uma imagem mais global do exercício da arqueologia. Continuamos sem saber ao certo quantos somos, como trabalhamos, com que recursos e instrumentos estamos a lidar com o nosso património arqueológico. As imagens que temos sobre o que é a arqueologia em Portugal são empíricas e fundadas em experiências pessoais inevitavelmente redutoras.
Este comentário referia um antecedente pressuposto: As respostas de empresas de arqueologia e de centros de investigação/associações apenas são significativas pela ausência.
Seja, o inquérito fica circunscrito aos dados fornecidos pelas respostas remetidas pelas autarquias, analisados por Maria José de Almeida no quadro de um modelo muito bem referenciado a questões cruciais. O universo empresarial continua a ser, em termos de avaliação possível, um buraco negro espacial, remotamente avaliável quantitativamente, Luís Raposo, 2005, Directório das Empresas (…), REVISTA ALMADAN, Nova Série, 13, que sobrevive no fundamental no quadro do aparato legal que determina a realização de EIA. O comentário que nos sugere este panorama é que as empresas de arqueologia, na maior parte da sua actividade, preparam as condições prévias de registo que antecedem a destruição de património arqueológico e constituem um universo cuja prática é inavaliável. São também inavialiáveis as condições em que exercem a sua actividade, os recursos técnicos e humanos que mobilizam ou de que têm necessidade e lhes faltam.
Devemos ainda realçar o facto de Maria José de Almeida poder concluir que, no âmbito da actividade arqueológica promovida pelas autarquias, a ratio entre as intervenções de salvaguarda e emergência e as de valorização de monumentos e sítios ser de 36% para 18%. A gestão e estudo de espólios consome 12% da actividade neste contexto, a mesma percentagem consumida pela investigação programada.
Não vou ainda abordar a questão levantada por Maria José de Almeida em relação a outra questão estrutural e estruturante, seja, a de saber se é mais adequada a inserção da prática arqueológica promovida pelas autarquias no enquadramento das estruturas de ordenamento territorial, se nas de gestão e promoção do património cultural.
Mas o que se pode deduzir é que a actividade arqueológica, de acordo com as preocupações que tenho vindo a manifestar, se configura predominantemente estruturada por factores exógenos conjunturais.
Ora, para prosseguir com outra questão, reproduzo aqui um excerto do Código Deontológico da APA, um instrumento ainda de referência ao papel regulador que à associação profissional deve ser atribuído.
Sublinha-se no entanto a particular responsabilidade deontológica do arqueólogo em relação à escavação, uma vez que o preço da recolha de informação é a inevitável perda de outra in­formação. Mesmo em intervenções de salvamento ou de natureza semelhante, o arqueólogo só deve escavar após cuidada reflexão, devendo considerar outros meios de investigação que precedam e possam complementar ou mesmo substituir a escavação. Ao projectar-se uma intervenção arqueológica que inclua escavação, deve também ser encarada a possibilidade de uma escavação não integral, prevendo-se zonas de reserva a definir previamente ou no decurso dos trabalhos.
O sublinhado é meu.
Está por fazer o diagnóstico do contingente de arqueólogos, nos vários patamares de competências e habilitações, formados durante os últimos vinte ou quinze anos, quer em contexto universitário, quer técnico-profissional. Mas o universo que se pode intuir não se confina com toda a certeza aos 323 associados da APA. É, em termos de avaliação, um universo tão nebuloso como o das empresas recenseadas e da sua caracterização. Tendo ainda em conta que muitos profissionais singulares se constituíram em empresas. E tendo ainda em conta que pode ocorrer, no quadro de um universo que não podemos recensear, que muitos arqueólogos singulares possam usar do estatuto ambíguo de profissionais e empresários ou quadros empresariais, participando na sua gestão e administração.
O que vou concluir para já é que o reforço da adesão à APA e o investimento num papel mais assertivo por parte da APA no cumprimento de um papel regulador mesmo dos critérios da definição da boa prática arqueológica se constitui no instrumento mais necessário e estrategicamente preliminar à reformulação de um modelo para a sustentabilidade da arqueologia.
E este apelo é dirigido a todos os profissionais arqueólogos, à Direcção da APA e às entidades tutelares do Estado. A bem da representação da arqueologia perante a comunidade.

sábado, 18 de julho de 2009

Mistificações

Mistificações

A aritmética da razão entre arqueólogos a mais, empresas a menos. Vamos recrutar arqueólogos já prontinhos no Brasil.

Bem, disparate não seria. A Ministra da Educação já anunciou o recrutamento de médicos no Brasil e em Espanha, haverá um dia em que virão da Somália, quando as empresas integradas no sistema de saúde já não tiverem dinheiro para lhes pagar.
E início o tópico assim, na brincadeira, para me associar à tontice, não à loucura, a loucura é caso sério, com que o assunto vai sendo abordado em vários contextos. De disparate em disparate, de contradição em contradição, a coisa vai andando à estalada e sem árbitro.
Aparece um a dizer: Não há arqueólogos a mais. Quando as empresas querem arqueólogos, não os há. Anteriormente dissera: Fazendo contas, quando um arqueólogo quer trabalhar para uma empresa, tem que pagar. Tanto para o pão, o leite e a manteiga, tanto para a enxovia, tanto para a carripana que tem que colocar à disposição, saldo (– 100, 00 Euros).
Conclusão, minha, claro: Não há trabalho para tantos arqueólogos porque as empresas não querem ou não podem pagar. Seja, não há trabalho e pronto, porque os arqueólogos não trabalham de graça, para isso existem voluntários, que têm o seu próprio e legítimo domínio.
Onde reside a dúvida? Será necessário, como preliminar para um diagnóstico, fazermos meramente a recolha das lamentações que saturam fóruns, debates, conferências e outros espaços de intervenção visível? Porque para além disso há as conversas de orelha a orelha, no chat ou no messenger, entre os que têm medo ou inibição de se manifestar publicamente. Por vezes, porque não escrevem segundo as normas.
Mas do que ninguém arreda pé é de um determinado modelo de sustentabilidade para a arqueologia, que faliu antes da sua aplicação. Faliu o modelo, porque, como em tudo, enquanto vigorou alguns tiraram dele partido. A arqueologia não tirou.
De modo que, dá-se um empurrão aqui, outro acolá, endireita-se de um lado e machuca-se do outro, a coisa ainda há de ir ao lugar.
Ora, em minha opinião, é uma típica lusa psicose. Se, para reprogramar o futuro, for necessário recensear o passado e a memória, então o futuro que se dane, eu já estou velho, os que vierem que tratem da vida. E há ainda aqueles que, mesmo apertados no limiar da sufocação, ainda cabem no pacote. A esses ninguém os tira de lá, porque há sempre aqueles aos quais a morte espreita.
E é assim que se vive. No teatro das vaidades, a cortina do fundo do palco é opaca e prolonga o cenário.
Há arqueólogos a mais? Há arqueólogos a menos? Empresas que bastem para a serventia de que as obras necessitam. Se é a estes dilemas que um consistente diagnóstico da sustentabilidade da arqueologia necessita de responder, deixando de parte as questões que se colocarão no futuro sobre o que é afinal a arqueologia e quais os patamares e domínios sobre que tem que intervir e como, em referência a que princípios e a que programa de sustentabilidade da comunidade no seu conjunto, o diagnóstico faz-se num ápice, estará porventura até já feito, segundo alguns. Faltam arqueólogos e faltam empresas para se escavar o país de lés a lés, aonde a picareta, o teodolito e o colherim forem precisos, atrás das retroescavadoras.
Eu começo a duvidar de que não existam mais empresas de arqueologia do que de construção civil, mais arqueólogos do que pedreiros ou ladrilhadores. Mas como escasseia o trabalho tanto para umas como para outras, tanto para uns como para outros, fica tudo em pé de igualdade.
Mistificações? Não. Gente distraída.
Bem, podem sempre responder-me que eu não sou arqueólogo. Como queiram. Mas, para mim, arqueologia não é isto que Vossas Excelências andam a fazer. Vossas Excelências não sois arqueólogos. Podereis vir a ser. Assim não. Eu sou.
Os jovens sem trabalho também são arqueólogos. Porque ainda não fizeram nada que se possa excluir da arqueologia pretendendo sê-lo. Porque estão desempregados.
É a primeira parte de uma intervenção que terá que prosseguir. De seguida, vamos a coisas mais objectivas, como arqueólogo gosta. Exempla.
Os exemplos.

Trabalhos a mais, cabeça a menos.

O problema surgiu com explícita visibilidade quando o Presidente da Câmara de Viseu lançou o alerta. Os materiais provenientes de uma dezena de anos de trabalhos arqueológicos no Concelho jazem em caixotes nos armazéns das empresas que os realizaram. Não se encontram classificados nem tratados para suportarem a instalação museológica. Bem, o Presidente reclama, mas ainda não há Museu, nem se sabe quando virá a haver.
Na opinião do Presidente, que não é arqueólogo e provavelmente avalia erroneamente a situação, tratar-se-á de cerca de 200.000 referências, na maioria fragmentos. O IGESPPAR não pode proceder à trasladação para o seu foro, porque não dispõe de instalações para acondicionamento de tanto material. Ou de nenhum.
E eu pergunto: isto é arqueologia? Não posso responder, porque não sou arqueólogo. Pelo menos arqueólogo desta arqueologia. Mas é sem dúvida uma das formas como a arqueologia se transmite à comunidade.
Maus exemplos, dir-se-ia. Tomáramos que fossem maus exemplos, circunstanciais.
Ninguém conseguirá fazer um raciocínio elementar? Se o modelo empresarial fosse o modelo eficaz para a sustentabilidade da arqueologia, temos que reconhecer que alguém pôs o carro à frente dos bois. Não estavam constituídos os mecanismos, nem a juzante, nem a montante, que dessem contexto a e suportassem uma intervenção racional das empresas. Entre tais mecanismos inclui-se o normativo legal que administraria a supervisão das entidades tutelares e enquadrasse a intervenção empresarial no quadro de um programa sustentável, referido a vários factores. Assim não sendo trata-se, no mínimo, de capitalismo selvagem.
Seja, os arqueólogos não necessitam de escavar para terem trabalho. De outro modo, chegará o dia em que não haverá nesga já para escavar, mas toneladas de materiais para inventariar, tratar, estudar, enquadrar em museus ou depósitos museológicos. Poderia colocar outras questões, relacionadas com a preservação de materiais e estruturas provenientes e intervencionadas no âmbito destas práticas, mas esse assunto exige ainda muita ponderação para um idóneo diagnóstico.
Deste exemplo, que se poderia multiplicar com outros que todos comentam discretamente, o que se pode concluir? O actual modelo de prática arqueológica terá porventura permitido que se continuasse a escavar, à boleia da legislação que obriga ao acompanhamento arqueológico das intervenções sobre o território, mas mergulhou na irracionalidade absoluta.
Por isso, reclamo um plano estrutural de escavações, porque estou convencido de que nem tudo o que se regista no âmbito de um EIA tem que necessariamente ser escavado. Pode ser registado e protegido de muitas outras formas. E quanto a escavações devia haver um plano que formulasse prioridades que fizessem ponderar uma estratégia de investigação e de valorização qualitativa do conhecimento arqueológico, não meramente cumulativa. E esse plano deveria prevalecer sobre qualquer outra lógica ou irracionalidade circunstancial.
Por isso proponho, suspendam-se as escavações, pelo menos as que não estão já em curso e têm que ser concluídas, até que esta questão seja devidamente ponderada.
É que, se um EDIA não obrigar necessariamente à intervenção intrusiva sobre tudo o que é detectado e registado e obrigar a outras soluções que evitem a destruição mas permitam o registo e a preservação, que acabarão por ser menos dispendiosas para as empresas de construção, geraremos um contexto de solução para outro problema que também vai sendo comentado sem alguém querer assumir que existe. A pressão das empresas de construção sobre as empresas de arqueologia para que se passe em branco por cima de estruturas arqueológicas, ou para que as intervenções se realizem com rapidez sem imobilizar as máquinas.
Quanto à razão quantitativa entre arqueólogos e necessidade do mercado de trabalho, eu tenho que inverter os termos da equação. Não pode haver mais arqueologia para poder haver e podermos formar mais arqueólogos. Temos que formar os arqueólogos de que a arqueologia necessita.
Se já os há a mais, teremos que colocar a questão nos seguintes termos: a formação de novos arqueólogos deve ser ponderada, até que exista um diagnóstico rigoroso, tendo em horizonte a necessidade civilizacional da reprodução e transmissão do saber no futuro.
E termino com a pergunta que todos já deviam ter colocado a si próprios: não será que é às empresas de arqueologia que interessa que haja arqueólogos a mais, simulando que não os encontram no mercado, para ditarem as condições de trabalho de que todos se queixam?
Bem, na crista da onda, já estou a tratar da arqueologia como mercadoria. E era o que queria evitar.