sábado, 24 de outubro de 2009

Provedor do Património

Um Provedor para o património cultural




Desde aqui, do nosso tópico de observadores, por vezes atónitos, do que vai ocorrendo no domínio dos conflitos entre interesses e pontos de vista, no que respeita a uma sensata e consensual política de promoção, valorização e preservação do património cultural, não podemos deixar de fazer o registo de que, no contexto do agravamento de uma crise estrutural de valores, não só financeiros e materiais, cada vez se torna mais urgente uma intervenção arbitral, de bom espírito e boa fé, capaz de intervir no sentido de mitigar as conflituosidades crescentes entre múltiplos intervenientes públicos e privados, institucionalmente tutelares ou dimanados da livre associação de múltiplos segmentos da dita sociedade civil.


À guerra, ninguém vai resolver nada. E necessitamos cada vez mais de uma intervenção benfazeja, consensualmente legitimada, credenciada para intervir nas matérias em relação às quais nem as instituições tutelares, nem as transmissoras do ponto de vista da legítima vontade de a comunidade intervir conseguem encontrar convergência.


A figura de um Provedor, supra-partidário, supra-político e supra-institucional, mas investido num papel consensualmente reconhecido, faz hoje todo o sentido.


Abordo aqui exclusivamente o domínio do património cultural material. Espero que outros se manifestem sobre o imaterial.


À atenção da recém-nomeada Ministra da Cultura e de todos as entidades e cidadãos envolvidos na defesa, valorização e promoção do património cultural.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Novas práticas de salvaguarda do património arqueológico

João Paulo Pereira, sobre Novas práticas de salvaguarda do património arqueológico.


Não querendo subestimar a utilidade de tal tecnologia, que permite uma observação do terreno sem intrusões, gostaria de reflectir sobre o contexto em que se deveria ou poderia utilizá-la.
Muito antes de se chegar ao momento de olhar para as máquinas de construção de um projecto actual, seja estrada ou um polígono fabril, para ver se aparece ou não qualquer coisa a que se possa chamar de vestígio arqueológico, poderemos reconstruir um percurso metodológico, que para alguns de nós, pode não der novidade nenhuma. Também não tenho a intenção nenhuma de mostrar qualquer novidade.
Quando nasce uma ideia de projecto actual, salta logo a pergunta ao projectista ou ao idealista: Que projecto quero eu fazer? Onde vou fazer este projecto? Que problemas posso eu encontrar para o fazer?
A interacção entre um projecto e o local da sua realização começa desde cedo.
O levantamento daquilo que existe no local do projecto a realizar é uma das tarefas mais árduas e longas para a gestão desse mesmo projecto, exigindo um esforço financeiro e de recursos humanos bastante forte. Entre as várias equipas, as de arqueologia e ou as de património cultural são as que mais sobressaem ao que me traz aqui.
Depois de definir, em geral, mais do que um local de estudo para um projecto actual, as equipas terão um ponto de partida para realizar:


• Levantamento bibliográfico,


• Levantamento cartográfico (topografia, toponímias, simbologia cartográfica, etc.)


• Levantamento nas bases de dados existentes,


• Levantamento de campo, vulgo prospecção arqueológica terrestre e em alguns casos, subaquática.


É neste último ponto, que a prospecção remota pode, e pelos vistos, deve, entrar como um dos meios para aumentar a eficácia dos levantamentos arqueológicos. Dependendo dos custos operacionais, que ignoro completamente, terão de ser escolhidas estratégias adequadas para aproveitar ao máximo esta mesma tecnologia. Estas estratégias poderão passar pela selecção de pontos e ou transeptos dentro da área do projecto.
No entanto, é de salientar a importância de a equipa de arqueologia se relacionar com as restantes equipas de projecto, de modo a que seja possível uma adequação eficaz entre a forma (geométrica) e localização do projecto e a realidade dos vestígios arqueológicos conhecidos e os que vão sendo conhecidos ao longo das várias etapas dos vários levantamentos arqueológicos.
O ideal será a criação de um projecto actual que não interfira com vestígios arqueológicos.
Definida a forma e a localização do projecto e logo antes do início desse mesmo projecto, podem iniciar-se diversos trabalhos arqueológicos de acompanhamento e ou mesmo de prevenção do risco de afectação dos valores patrimoniais.
Reconhecidos alguns dos pontos críticos do projecto actual poderão ser usadas várias técnicas de observação do solo a afectar por esse mesmo projecto. Mais uma vez, entre a prospecção terrestre (simples, a pé) e subaquática (se for caso disso), sondagens arqueológicas clássicas, também a detecção remota poderá ter um papel a desempenhar na referida prevenção, agora e naturalmente mais tardia, de vestígios arqueológicos.
É claro que existe um certo grau de imprevisibilidade quanto ao desenrolar dos trabalhos arqueológicos relacionados com um projecto actual desde o seu início. É aqui (e noutros aspectos que agora não interessa desenvolver) que o PNTA terá de ter características diferenciadas do PNTA de investigação clássica e também nos termos actuais em que se solicita autorização para trabalhos arqueológicos no âmbito das acções de prevenção (o grupo C do formulário do IGESPAR).

João Paulo Pereira

domingo, 18 de outubro de 2009

Novas Práticas de Salvaguarda do Património Arqueológico

Novas práticas de salvaguarda do património arqueológico







A aplicação prévia de meios de prospecção remota em trabalhos de EIA e acompanhamento de obra.



Os meus primeiros contactos com a exploração consequente da potencialidade dos meios de detecção remota na prática da prospecção arqueológica remontam a 1985, no âmbito de um projecto transdisciplinar integrado, reunindo os departamentos de Ecologia (Arquitectura Paisagística e Engenharia Biofísica) e História da Universidade de Évora.

Não escavei senão na minha juventude. A prospecção arqueológica e a compreensão integrada das relações mais consistentes do homem com o território, nomeadamente a história dos itinerários viários e a sua relação com o povoamento, tornaram-se desde muito cedo o tópico da minha investigação arqueológica.

No tempo a que estou a remontar, os utensílios mais eficazes eram ainda a observação estereoscópica das fotografias aéreas dos voos USAF que serviram de suporte à elaboração à Carta Militar de Portugal. Começaram então a estar disponíveis, através de encomendas circunstanciais, registos de imagem mais elaborados realizados a partir de satélite com um ainda exíguo espectro de radiações, nomeadamente infra-vermelhos.

É talvez de particular interesse registar que, tal como agora, a produção dos meios remotos aplicados à arqueologia tinham origem no desenvolvimento da tecnologia militar. Neste tempo, o mero acesso a uma fotografia aérea militar obedecia a requisitos rigorosos de autorização.

Esta complexa burocracia, aliada ao elevado preço das cartas e fotografias, exigia um trabalho preliminar de investigação documental, no domínio arquivístico, toponímico, etc., que justificasse a prospecção detalhada de áreas específicas. O contexto gratificante do projecto de trabalho em que nos inseríamos era, precisamente, caracterizado pela facilidade de utilizarmos suportes requeridos para um amplo espectro disciplinar de investigação regional, cruzando os materiais requeridos para múltiplos fins.

No domínio arquivístico, a manipulação dos meios de detecção remota era suportada por exaustivos dados centrados em levantamentos cadastrais, medievais, modernos e contemporâneos, depois confirmados nas suas marcas indeléveis na paisagem.

O regime de trabalho era todavia ainda artesanal, a investigação decorria nos escassos intervalos de uma agenda lectiva e de gestão de conflituosidades, tão profundamente enquistada no meio académico, que transformavam a investigação num hobby.

Bem, isto passava-se há cerca de vinte e cinco anos.

Mas o mínimo que poderia alegar, já nesse tempo, era que estes escassos meios poderiam permitir o varrimento prévio de uma dada área onde se projectasse uma intervenção intrusiva sobre o território, de forma a identificar com alguma operacionalidade as estruturas que pudessem vir a ser afectadas. Os maiores cataclismos recenseados associavam-se na altura aos grandes empreendimentos de florestação, nomeadamente plantação de eucaliptais, que proliferavam por todo o Alentejo central.

Só posteriormente surgiriam os episódios dos empreendimentos rodoviários e hidráulicos.

Entretanto, desde os inícios da década de noventa começa a consolidar-se uma nova área transdisciplinar em apoio à investigação arqueológica, reunindo a melhoria de múltiplos domínios, a Arqueometria, incidindo sobre o estudo aprofundado de artefactos, desde a datação à sua composição material e procedimentos de confecção, o estudo consistente de materiais biológicos, restos humanos, fauna e flora associada aos locais de povoamento, enfim uma infinidade de recursos de trabalho. E, no mesmo âmbito, desenvolvem-se novas perspectivas de prospecção remota, multiplicando meios e dispositivos de elevada sofisticação, que envolvem já a tomografia.

Talvez, depois das imagens com origem em satélites, com radiações e filtros específicos, a metodologia que gerou os primeiros resultados consistentes foi a da utilização de matrizes pré-concebidas com base nos denominados crop circles, que ainda recentemente resultou em descobertas significativas associadas a Stonehenge. Mas desde a década de noventa do Século passado que as tecnologias se vão desenvolvendo em ritmo consequente, com recurso à avaliação de várias metodologias.

Embora programemos para breve uma avaliação circunstanciada dos diversos dispositivos e metodologias disponíveis, um bom guia para uma avaliação preliminar da complexidade dos recursos disponíveis será o arquivo digital de Department of Archaeological Sciences, University of Bradford.

http://www.brad.ac.uk/acad/archsci/subject/archpros/archp_nf.php

Recentemente Júlia McMurrow, do Departamento de Geografia e Arqueologia da Universidade de Manchester, editou a revisão de um clássico de 1990, Archaeologial Prospecting and Remote Sensing, de I. Scollar, A. Tabbagh, A. Hesse e I. Hertzog, Cambridge UP, em A review in (…), International Journal of Remote Sensing, Volume 30, 2009, Taylor and Francis. On line:

http://www.informaworld.com/smpp/title~content=t713722504~link=cover

Como é óbvio, todavia, a prospecção remota depara-se com sérias limitações em contexto urbano, determinando o recurso a dispositivos e metodologias muito complexas, e a metodologia de mais acessível acesso continua a ser a tradicional prospecção geofísica, através da extracção de amostras estratigráficas com a utilização de brocas cranianas de longo alcance, cuja utilização foi concebida pela indústria mineira. Dados todavia surpreendentes foram divulgados recentemente no âmbito da aplicação em Roma do Programa PORTUS (archport, Alexandre Monteiro). Bem como o número IX, 8 de POMPEI. INSULA DEL CENTENARIO, I, Indagini Diagnostiche Geofisiche e Analisi Archeometriche, coordenação de Sara Santoro.

Mas verdadeiramente surpreendentes são os resultados que podem ser obtidos através da utilização de utensílios tão triviais como uma habilidosa utilização de Google Earth ou Visual Earth. Neste domínio, entre nós, gostaríamos de sugerir o exemplo do grupo responsável pela Carta Arqueológica do Concelho de Évora, envolvendo de resto um precursor na optimização destes recursos, Manuel Calado. Com ele fiz os primeiros aterradores voos em ultra-leve, na pré-história da prospecção remota.

Ora, vem isto ao caso da matéria em que venho recalcitrando. O acompanhamento de obra deve iniciar-se antes do seu início e em sede de projecto, com recurso aos dispositivos de prospecção não intrusiva que cada vez mais estarão ao nosso alcance. Um Plano Nacional de Trabalhos Arqueológicos não pode deixar de contemplar a aquisição progressiva, por parte de instituições privadas e públicas, dos dispositivos necessários a uma eficaz prática de diagnóstico remoto, mesmo em regime de partilha programada.