Debate em Museum, forum, com Pedro Manuel Cardoso
Material e Imaterial: A estúpida ruptura.
Mais uma vez o António Nabais foi assertivo. Disse:
“É necessário que se explique a esses senhores que dizem que andam a fazer o inquérito do património imaterial o que é o património imaterial. Andam por aí a espalhar aldrabices e não fazem nada para preservar o património imaterial. Basta de tanta incompetência institucionalizada!” (António Nabais, Lista Museum, mensagem n.º 03658, de 25/03/2010 – 16:09).
Não estou de acordo com António Nabais quando designa de “aldrabices” e “incompetência”. Nessa parte não estou de acordo. Não é essa a questão.
Mas quem dera que houvesse mais desta assertividade. Era sinal que não se receava o Debate. E talvez contribuísse para haver um equilíbrio melhor entre ‘debate’ e ‘informações’.
Já me tinha sublevado contra esta estúpida ruptura numa mensagem anterior. Mas entendamo-nos. Não são as Pessoas que são estúpidas, é o argumento e o raciocínio que são utilizados para justificar essa ruptura no Património. Nessa mensagem tinha feito votos para que:
“…Como referi anteriormente, nesta Museum Lista, o Património Pleno exige uma Museologia para sua condutora. Se o fosse, o Património seria gerido na simultaneidade da materialidade, da oralidade, da gestualidade e da iconicidade. Que deve ser o conceito operatório de objecto patrimonial com que se deve trabalhar. E não ouvirmos e assistirmos às recentes ameaças de uma nova e estúpida ruptura, agora entre imaterial e material.” (Pedro Manuel Cardoso, Lista Museum, mensagem n.º 03095, de 01/11/2009 – 00:46:13)
De facto, é um erro científico e metodológico afirmar que existe um novo tipo de Património dito “imaterial” ou “intangível”. Só o pode afirmar quem não está atento à Museologia.
Nós próprios, muito antes desta moda «imaterial-intangível», fundámos um Museu da Gestualidade. Que possui milhares de ‘documentos-dados’ sobre a realidade gestual portuguesa e humana; e tem relações com colegas e universidades em vários sítios do mundo. E recusámo-nos sempre a chamar este Museu de “imaterial” ou “intangível”. Porque se o fizéssemos estávamos a cometer um erro científico e metodológico. Estávamos a infringir a Museologia.
Na mensagem que enviámos sobre a “Instalação dos Museu Nacional de Arqueologia e Museu Nacional de Etnologia em Coimbra” explicámos um pouco o porquê dessa lacuna e desse erro. Dissemos:
“No nosso trabalho de investigação, e nos contributos que já publicámos, mostrámos que a Museologia consegue gerir o Património separando nele três realidades e três instâncias. Consegue separar a responsabilidade pelo(s) ‘suporte’, pelo ‘documento-dado’ e pela ‘informação’; e consegue fazer perceber (tanto aos responsáveis políticos como aos que gerem os museus ou as coleções-objectos) que há uma diferença entre a instância relativa ao(s) ‘objecto-colecção’, ao ‘uso do património’ e ao ‘valor patrimonial’. Permite separar essas seis coisas. Isto é, permite que haja, como soluções disponíveis para gerir o Património, tantas soluções quantas a combinatória desses seis factores/variáveis o permitem.” (Pedro Manuel Cardoso, Lista Museum, mensagem n.º 03650, de 22/03/2010 – 23:10:54)
Talvez seja útil contribuirmos para este Debate com uma explicação mais didáctica. Peço, aos que insistem no “imaterial e intangível”, para passarem os olhos pelo seguinte exemplo, servindo-me de um extracto do trabalho que publicámos: -
“(…) O impacto do Desenvolvimento no Uso - isto é, no modo como se acede e manipula o Património - provocará uma segunda ruptura conceptual: entre ‘documento/dado’ e ‘informação’. O conceito de Património passará a incluir três partes. A ruptura anterior separou-o em duas partes: o ‘suporte’ e o ‘documento/dado’. O impacto do Desenvolvimento no Uso acrescentará as condições pelas quais essas duas partes se poderão constituir, ou não, em ‘informação’. Ou seja, o Património passará a ser igual a [‘suporte’ + ‘documento/dado’ + ‘informação’]. No ponto anterior, relativo ao impacto do Desenvolvimento na variável ‘Objecto’, vimos que, por exemplo uma «norma de conduta» ou um qualquer outro ‘documento-dado’ antes do aparecimento da escrita podiam ser transmitidos de geração para geração num suporte oral, fosse numa mnemónica ou numa retórica ritual; na Suméria podiam ficar registados num suporte de argila; a seguir passar para um papiro egípcio; ou para um papel impresso chinês; depois podiam passar para uma edição impressa de Gutenberg; na época seguinte serem registados num cartão perfurado; serem captados por uma fita magnética; depois por um Compact Disc; por um DVD ou um Blue-Ray; e no futuro por um ‘suporte’ quântico. Vimos assim que esse ‘documento/dado’ (que é a «norma de conduta») era independente de todos esses ‘suportes’ que se foram sucedendo na história humana. Agora, com o impacto do Desenvolvimento na variável Uso, verificaremos que, se o ‘documento-dado’ tivesse continuado a ficar sem acesso, guardado como um tesouro no fundo de um baú, dentro de uma vitrina ou no fundo de uma reserva, jamais alcançaria o estatuto de ‘informação’. Teria desaparecido da nossa memória, e pertenceria ao reino do esquecimento. Ou de outro modo dito, o efeito do Desenvolvimento no Uso fará perceber que a existência quer dos ‘suportes’ quer dos ‘documentos-dados’ não garante só por si o acesso ao conteúdo informativo do Património. Mas esta exigência de um maior acesso e uso do Património, na parte que diz respeito aos ‘suportes’ e aos ‘documentos-dados’, obrigou também à adopção de um «novo modelo de comunicação com essa parte material do Património». Que irá, como veremos, afectar o próprio Valor Patrimonial.” (Pedro Manuel Cardoso, “O Património perante o Desenvolvimento”, ULHT, Lisboa, 2010:228)
Repito. É um erro científico e metodológico afirmar que existe um novo tipo de Património dito “imaterial” ou “intangível”.
O Património é o mesmo.
O que mudou foi a parte do Património relativo ao ‘suporte’. As partes relativas ao ‘documento-dado’, à ‘informação’ e ao ‘valor patrimonial’ mantiveram-se. Portanto é apenas um caso de transferência de ‘suportes’, para a qual também já tínhamos chamado a atenção no “Índice de Avaliação do Trabalho Museal” que propusemos, e onde incluímos exactamente os “coeficientes de transmissibilidade” e de “restituição”.
Pedro Manuel Cardoso
(Museu da Gestualidade)
A nomenclatura em regime de cálculo diferencial
Serve esta para corresponder à solicitação e repto de Pedro Manuel Cardoso, fazendo apenas fluir o comentário e troca de ideias, sem qualquer pretensão de rematar a matéria, pelo contrário.
O aprofundamento da nomenclatura e do seu uso, seja em contexto especulativo ou de aplicação, é sem dúvida um indispensável instrumento de trabalho, do qual resultará o enriquecimento do raciocínio e da acção. No contexto específico da matéria que agora se aborda, a museologia, lança-nos para novas perspectivas na relação com os objectos, com os objectos da museologia, claro, suscitando novas e surpreendentes percepções e intervenções.
É inquestionável a formulação das seis variáveis propostas por Pedro Manuel Cardoso, mau grado puséssemos, a posteriori, formular mais algumas. Não compreendo porque razão essa conceptologia tem que partir da erradicação da conceptologia preliminar que opera a distinção entre o material e o imaterial. Não adiro, obviamente, ao conceito de intangível, porque tanto o material como o imaterial são tangíveis, em estratos de percepção variáveis.
Seja, fica em perda o primeiro factor de incidência exponencial. Tomando material como A e imaterial como B, partiríamos da base exponenciável (A x, +, -, : B) elevado a 6, ao seu quadrado, ao seu cubo, etc..
Em negar a natureza material ou imaterial de um objecto de património, ponderando mesmo a sua coincidência ou acumulação num mesmo objecto, não me parece residir enriquecimento algum, nem para a sua percepção radical, ou o mais possível, nem para o seu uso, ou para a forma como é operado para a fruição, falando no domínio mais estrito da museologia.
Por outro lado, passa-se por cima de uma questão também conceptual fundamental, que é a da duração e do seu registo. E compreendo que para um museólogo da gestualidade tal questão suscite problemáticas deveras complexas. Porque o gesto perdeu a sua materialidade quando se extinguiu, o que pode ser um instante. E se pode ficar registado num suporte material, um registo fotográfico, ou mesmo a memória, uma coisa foi o gesto, outra o material suporte do seu registo.
Como dizia, não pretendo concluir assim e aqui a reflexão sobre a matéria. Mas de que merece ser aprofundada, não tenho dúvidas.
Não sei se vou de encontro ao seu salutar desafio, Espero que sim.
Nota: não sou museólogo, apenas um ser pensante, ou talvez nem isso.
Manuel de Castro Nunes
Re Material e Imaterial – A nomenclatura em regime de cálculo diferencial
Sim. Seria estultícia pretender “rematar a matéria”. Estou plenamente de acordo com Manuel de Castro Nunes.
As variáveis em que decompus o Património ajudam o trabalho prático. Resultaram da indução mais do que da dedução. Para quem tem experiência no trabalho museal são muito mais do que meras reflexões. Ajudam a gerir o Património com mais eficiência. E permitem organizar melhor a cadeia de tarefas que compõem o ‘processo museológico ou de patrimonização’ - desde a ‘Preservação’, passando pela ‘Documentação’ até á ‘Comunicação’. Mas também ajudam a orientar melhor a política museal ou patrimonial.
Também estou de acordo quanto ao erro de desvalorizar a parte dita “material”. A ‘materialidade’, a ‘gestualidade’, a ‘oralidade’ e a ‘iconicidade’ são as substâncias de que o Património é feito. Deveriam possuir um estatuto de igualdade, na importância que merecem por quem tem a responsabilidade de gerir o Património. Portanto será errado opor umas às outras, ou desvalorizar umas em relação às outras. Mas basta fazer as contas aos recursos que são postos em cada uma destas partes para verificarmos a que merece mais preponderância, e a que é mais desprezada.
Mas sobre a ‘materialidade’ a questão também não é simples. Quase todos duvidam de que a ‘materialidade da Gioconda’, daquela que nos é apresentada hoje no Louvre, seja a mesma que a original. O mesmo aconteceu com os ‘objectos’ intervencionados pelo POC 2000-2006 pelo ex-Instituto de Conservação e Restauro. Os ‘objectos’ foram desmanchados, a sua materialidade foi substituída parcial ou totalmente, e depois foram reconstruídos, repintados, relacados e recozidos. E, apesar dessa ‘materialidade substituta’ ser o que temos da sua parte material, eles continuam a ter um valor patrimonial que consideramos suficiente relativamente ao ‘original’. A ‘materialidade’ não é a mesma. Houve a perda “diferencial” que Manuel de Castro Nunes refere. Mas isso não catastrofiza (no sentido de R. Thom) o valor documental e patrimonial.
A questão sobre a “duração e o registo” é para nós a mais interessante. Manuel de Castro Nunes afirmou com muita pertinência: “Porque o gesto perdeu a sua materialidade quando se extinguiu, o que pode ser um instante. E se pode ficar registado num suporte material, um registo fotográfico, ou mesmo a memória, uma coisa foi o gesto, outra o material suporte do seu registo.” (Manuel de Castro Nunes, Museum Lista, 29/03/2010). Até à descoberta da Estrutura do Valor Patrimonial (Pedro Manuel Cardoso, ULHT, 2010) essa extinção parecia ser uma inevitabilidade. Mas a partir do momento em que a investigação prova que existem valores patrimoniais codificados na mnése, feitos de uma informação a priori codificada em mapas mentais (ou “representações”), cujo suporte são as células de lugar no hipocampo, a questão muda de figura. Porque o estatuto do ‘suporte’, do ‘documento-dado’, da ‘informação’ passam a ser também metadados (tal como acontece no ADN). E os ‘museus’ deixam de ser o objecto da Museologia, assim como os hospitais não são o objecto da Medicina, ou as empresas não são o objecto da Economia. Foi isso que me permitiu oferecer uma história alternativa do Património e do percurso museal, com os mesmos dados que os autores construíram a ‘história tradicional’ que ainda vem nos manuais.
Este resultado traz consequências. Por exemplo, esta polémica á volta da re-instalação dos museus deixa de ter sentido para uma Museologia cujo objecto seja a «Gestão da Memória e do Património». Este contributo ajuda a separar o essencial do acessório. Façamos a seguinte pergunta: - Nos Jerónimos, e no espaço designado por Belém, está o quê? Dos valores patrimoniais em competição nesse mesmo território qual o que especifica mais a identidade de Portugal no confronto com os outros países? O que é que lá está que é Património, mas que os outros povos e países também têm? E o que é diferente e caracteriza de forma exclusiva Portugal? O que é que está lá que não é preciso trazer para lá? E o que é que não está lá, e era necessário trazer de outro lado para se fazer um melhor museu? Arqueologia, Descobrimentos, Coches-Transportes, CCB-Arte, Presidência do Regime Republicano…Turismo-Economia-Marca Portugal.
Ou seja, a decomposição nas variáveis que propusemos permite discernir melhor a escolha. E permite perceber de que valores patrimoniais estamos a falar quando falamos genericamente de Património.
A luta de Luís Raposo é o belo de uma luta. E isso também é um valor. Mas não tem nada a ver com um valor patrimonial no sentido da «Gestão da Memória e da Identidade». É uma disputa pessoal que a classe profissional dos arqueólogos corporiza. É a competição por um dos territórios mais ‘sagrados’ para a identidade patrimonial de Portugal.
As respostas àquelas perguntas que formulei seriam o caminho alternativo para uma solução em que essa «Gestão da Memória e da Identidade» não ficaria diminuída, e se sobreporia às questões pessoais, corporativas, políticas ou de ‘honra’.
Pedro Manuel Cardoso
Caro Pedro Manuel Cardoso, no essencial de acordo consigo, considerando que a reflexão encaminhada por esse itinerário que vai traçando nos obriga a repensar muita matéria.
Penso também, em convergência consigo, que, colocada neste estrato e patamar, a argumentação em torno do destino do MNA ganharia outra solidez.
Por esa razão, vou ler com mais detalhe a sua resposta e trocaremos de novo ideias.
Obrigado.
Manuel de Castro Nunes
A cisão entre ‘Museu Nacional de Arqueologia’ e ‘Museu Nacional de Etnologia’: O esquecimento do legado de José Leite de Vasconcelos.
Nas homenagens que sucessivamente são feitas a José Leite de Vasconcelos verificamos, invariavelmente, um consenso sobre o que representou para a Cultura Portuguesa. Escrevem quase sempre, com justeza, três palavras para o definir: “Filólogo – Arqueólogo – Etnógrafo”.
Esse contínuo daquilo que é específico do ser-humano, neste caso da particularidade disso referente a “Português”, foi uma visão traída pela modernidade de tantas decisões depois dele.
Compreendemos.
Compreendemos, agora distanciados no tempo, que foi, em primeiro lugar, por causa do horror emocional do pós-guerra. Que foi por causa disso que houve um coro de unanimidade na menorização do ‘evolucionismo’ face ao todo-poderoso ‘relativismo/sociologismo’. Desde as polémicas com Franz Boas até às declarações solenes nas “Nações Unidas” por Lévi-Strauss. Depois foi a adesão cega à “Cultura Material”, como prova a priori desse relativismo cultural. Decretaram logo aí o dia-de-finados da «visão contínua e integrada do ser-humano e da sociedade». Foi o tempo de copiar, sobretudo de França. Foi o tempo da exaltação do “Museu de Artes e Ofícios”, da vinda para Portugal de tantos jovens estrangeirados que cheiraram o “Maio de 68”, essa espécie de revolução francesa moderna contra a moralidade do “antigamente”. Foi o tempo de adoptar cegamente a filosofia dos Analles, de A. Leroi-Gourhan e de M. Mauss. Foi o tempo do empenhamento pela imposição da Cultura dita “Popular”.
A Ciência foi dominada pela doutrina do ‘relativismo cultural’, como o havia sido no tempo ignóbil do ‘racismo linear e gradual’.
Uma coisa são os dados, os vestígios e os testemunhos que se obtêm pelo trabalho científico. Outra coisa é o uso político e doutrinário que deles se fazem. Sempre foi assim, e sempre será.
Foram, entre outras, aquelas motivações que justificaram a precipitada cisão entre a “Diferença” (relativismo, sociologismo) e a “Evolução” (evolucionismo, antropologismo). Logo apareceram os mesmos arautos barulhentos de sempre, a decretarem dois mundos diferentes, dois reinos inconciliáveis, duas pretensas epistemologias. Foi essa cegueira ideológica, provocada por aquelas duas ideologias, que fez romper a noção de que «a diferença e a evolução não se opõem quando queremos compreender e patrimonizar o ser-humano». O legado de José Leite de Vasconcelos foi uma das vítimas. Logo foram à pressa cindir a Arqueologia, da Etnologia e da Língua. Fizeram ‘museus’ para esses bocados que partiram. Que são o resultado medíocre do que vemos hoje.
É uma afronta, talvez mesmo um ultraje, virem agora, para dirimirem os conflitos do mal que fizeram, jurar em nome do legado de quem tinha a visão de que a «gestão da memória e do património referente ao ser-humano» se fazia da interdependência entre a Língua, a Arqueologia e a Etnologia.
Volto ao que disse antes, sobre a estúpida ruptura entre “material” e “imaterial”. A diferença entre esses ‘museus’ ou instâncias gere-se separando com clareza o que é ‘suporte’ do que é ‘documento-dado’, do que é ‘informação’. E gerindo museologicamente, com coerência e sistematicidade, o que é ‘materialidade’, ‘iconicidade’, ‘gestualidade’ e ‘oralidade’. Coimbra reuniria a maior dos ‘suportes móveis da materialidade’ desse contínuo arquelógico-etnológico; Lisboa e Porto exporiam a maior parte dos ‘suportes icónicos’ desse património e dessa memória do ‘contínuo humano português’; os locais etno-arqueológicos tão ricos que Portugal tem, em várias Terras, exporiam em rede os ‘suportes imóveis’.
Haverá coragem para esta política museológica e patrimonial? O legado de José Leite de Vasconcelos não nos devia merecer melhor discernimento?
Tanto barulho e tanta algazarra… enquanto o Património e a Memória de Portugal esperam.
Pedro Manuel Cardoso
(Museu da Gestualidade)
Prosseguindo uma troca de ideias, passo a passo.
Caro Pedro Manuel Cardoso, estamos a trocar ideias em tempo real, seja, na crista da onda ou na apropriada circunstância, no momento do cúmulo da ambiguidade, quando, sob a capa de uma renovação do programa museográfico e do pensamento museológico, constatamos a proliferação de projectos para novos museus, os velhos moribundos.
Importante reflectir, sim, agora, por detrás do ruído de circunstância. Passo a passo.
Não posso, por razões de espaço e paciência da audiência, comentar os aspectos de juízo mais ideológicos da sua introdução, que dariam muita matéria, ficará para outro estádio do diálogo, ou do colóquio quando outros vierem reunir-se na cavaqueira.
Retomemos o tema da cisão entre material e imaterial, agora enriquecido com a cisão do Homem, do Homem produtor de pensamento cultural, falando de Leite de Vasconcelos, obviamente, mas de outros também.
E para irmos passo a passo, tomando como mote a sua reflexão sobre a congregação do todo diferencial numa abordagem centrípeta e aglutinadora, sem cisões, gostaria que comentasse uma questão. Porquê então um museu da gestualidade e só? Ou pretenderia a museologia da gestualidade assumir-se como o paradigma de toda a museografia e museologia, reunindo tudo num só tópico, que poderia ser os Jerónimos? Para onde convergiria a etnografia, a arqueologia, porque não a arquivística (?), libertava-se ainda a Torre do Tombo? Giacometi, Lopes Graça, etc.
E, para partirmos de bases sólidas, talvez não compreenda porque o questiono já sobre esta matéria, o canto e a música, a quadra, a décima e a desgarrada são gestualidade? Independentemente do registo de que foram alvo? O assobio, o pregão, a serenata? Tudo isso poderia congregar-se nos Jerónimos ou na Cordoaria? Sem fracturas nem cisões?
O Caro Amigo está a colocar a questão no patamar certo. A reflexão antes da acção. E eu sinto-me sinceramente motivado para o acompanhar, aprendendo a reflectir. Passo a passo. Serenamente, ausentes do ruído, ou com ele ao lado.
Manuel de Castro Nunes