quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Plano Nacional de Trabalhos Arqueológicos. Comentários de João Paulo Pereira.

Comentários de João Paulo Pereira a Comentando o papel de um Plano Nacional de Trabalhos Arqueológicos.

A verde e em itálico

Eis então a minha opinião acerca do que poderia ser um Plano Nacional de Trabalhos Arqueológicos que pudesse contribuir para que a Arqueologia se tornasse uma actividade estruturalmente sustentável, sem violar os princípios éticos e deontológicos tidos como pressupostos na relação com o património cultural.
Não posso deixar contudo de introduzir alguns comentários preliminares breves.
A Arqueologia é, em princípio, um domínio do conhecimento e da investigação. O seu domínio de intervenção estende-se, no âmbito da aplicação prática das suas aquisições, a várias áreas associadas à preservação, valorização e recuperação do património cultural. Esse domínio de aplicação contribui depois, ele próprio, para a aquisição de aprofundamento de novos dados disponíveis para o enriquecimento do conhecimento disciplinar.
O que seria verdadeiramente paradoxal seria que os critérios das boas práticas de salvaguarda e preservação se subvertessem em consequência da ânsia de aquisição de dados cumulativos que suportassem acréscimos também cumulativos no panorama do conhecimento disciplinar. É no imbricado deste nó górdio, que as mais complexas questões devem ser colocadas. Ainda aparecerá um Alexandre para o desmembrar a fio de espada…
Seja, se não existir um programa de investigação arqueológica estruturado, contemplando as várias áreas, cronológicas, tópicas, territoriais, que determine estratégias de investigação e intervenção, as intervenções conjunturais e emergentes tornar-se-ão na fonte predominante do conhecimento arqueológico. Seja, a investigação só avança na medida em que forem surgindo situações de emergência no domínio da salvaguarda e preservação. A Arqueologia fica cativa do súbito emergir da circunstância, tornou-se uma prática de acontecimento fortuito.

Será necessário evidenciar dois tipos de cativação a que te referes: uma, relacionada com os achamentos fortuitos oriundos da demanda dos trabalhos de prospecção arqueológica no âmbito dos Estudos de Impacte Ambiental, os quais estão sujeitos a uma lógica que em nada está relacionada com uma investigação arqueológica científica; outra, relacionada com alguma aleatoriedade existente na investigação em curso no âmbito dos projectos organizados por universidades, associações, “campos arqueológicos” e afins, os quais, sem querer tirar o seu mérito, estão sujeitos a lógicas de investigação relacionadas com âmbitos locais, âmbitos de gosto pessoal de cada investigador, âmbitos relacionados com tradições de investigação (por exemplo: Coimbra – Romano). Este sector carece de uma organização na investigação arqueológica que se faz. Esta afirmação pode ser falsa por eventual desconhecimento do facto de os investigadores universitários e os outros se reúnam ou não para programar a investigação nacional.
Esta questão doutrinária dar-nos-ia ocasião para um tratado. E poder-se-ia alegar que a medicina só evolui porque existem doentes e prática clínica. E esta é de facto uma questão estrutural que aproxima epistemologicamente a medicina da arqueologia. E da física, ou da química, quando também o seu avanço é determinado pelas necessidades de inovação da tecnologia de guerra.
Alguém teria paciência para ponderar estas questões? Duvido. Porque formámos gerações de arqueólogos a quem transmitimos a ideia de que arqueologia é escavar, portanto aproveitem-se todas as ocasiões para escavar, seja onde for e a que propósito, porque se não houver escavações não há investigação arqueológica, nem, saliente-se, enquadramento profissional para os arqueólogos.

Esta falta de paciência também estará relacionada com o estado actual da mentalidade / ideologia cada vez mais espalhada e contagiada pelo verbo ter com base no adjectivo depressa.
E os materiais exumados amontoam-se sem destino e com registos sumários, talvez venham a ocupar algumas gerações no futuro. E as estruturas intervencionadas até podem ser arrasadas após a escavação, ou de novo soterradas em condições de protecção sumária, porque a mais eficaz protecção era exactamente a sua jazida natural. Ou ficarem a céu aberto disponíveis para visita e à espera de nova ruína, porque não há dinheiro nem recursos para manutenção, nem sequer para acompanhamento permanente.
Bem, não é oportuno para já abordar as questões relacionadas com as irregularidades que no domínio da intervenção empresarial se têm cometido, quer no âmbito de negociações com dono obra no sentido de não perturbar o curso normal de empreitadas, quer no descaminho de materiais exumados. E tais práticas legitimam-se muitas vezes no domínio da estratégia de sustentabilidade de empresas que não erm previsivelmente sustentáveis, ou porque não nasceram com vocação empresarial, ou porque a vocação empresarial pressupunha a erradicação dos limites impostos pela deontologia. Talvez nem valha a pena desenvolver a questão, senão reestruturar os enquadramentos que corrijam essa matéria. Seria uma forma de ponderar essa questão, que não pode deixar de ser ponderada.
Retomando então o tema do PNTA, a questão prévia que continua sem orientação operacional é a própria definição de trabalho arqueológico e das suas múltiplas categorias. Sem tal orientação não é possível congeminar um PNTA que remeta para contextos específicos e com enquadramentos diferenciados as múltiplas tipologias de trabalhos arqueológicos e qual o seu âmbito.
Um PNTA tem que equacionar a sua sustentabilidade de vários pontos de vista. Do ponto de vista financeiro, como se aprovisiona e como se suporta e pode contribuir para gerar riqueza, usando um tópico corrente trivial. Do ponto de vista comunitário de que forma contribui para a consolidação do tecido comunitário, para a sua valorização, para o seu bem estar, para o reforço dos vínculos solidários do reconhecimento da sua identidade. De que forma pode contribuir para resolver um problema crucial para a sociedade, seja, o reequilíbrio territorial, o desenvolvimento regional.
O ponto de vista do conhecimento disciplinar, das suas prioridades e orientações estratégicas e o equilíbrio entre todos os segmentos da investigação. A esta questão associa-se a da reprodução do saber, seja a do ensino e da estrutura académica.
Sem equacionar e ponderar a posição relativa d todas estas questões, um PNTA será sempre um Plano coxo e precário, apto a gerar mais guerras do que consensos e ameaçado pela iminência de que um acontecimento imponderável, como seja o empolamento de uma descoberta que impõe a imediata intervenção intrusiva, com a consequente mobilização de recursos e subversão de estabilidades programadas, o venha desmantelar.

O PNTA para deixar de ser coxo tem de ter a participação dos interessados de forma directa, ou seja, o sistema regulador (Estado), os investigadores universitários, os particulares e os inseridos noutros esquemas formais (associações, campos arqueológicos, câmaras municipais, empresas e particulares).
Um PNTA consequente, do meu ponto de vista, só será viável no contexto de um quadro regulador da actividade empresarial.
Não é suficiente. A investigação particular e a universitária também precisa de regulação.
Seja necessitaria de uma APA, ou qualquer outra ordem ou estrutura de associação profissional, sólida e de uma associação empresarial reguladora.
Seja, um PNTA colocar-se-ia a juzante de muitas outras medidas de enquadramento. Senão tornar-se-á no contexto de enquadramento dos múltiplos Planos Pessoais de Trabalhos Arqueológicos centrados no seu próprio umbigo.

Isso é o que existe. Não creio que uma ordem ponha ordem nisso. Só acredito na vontade das pessoas devidamente demonstrada nas suas decisões e actos. De uma vez por todas, os vários grupos têm de se sentar à mesma mesa para falar e decidir sobre isto: o que fazer com as várias investigações arqueológicas.
Numa próxima, desenvolverei o tema dos dispositivos tecnológicos disponíveis para que os EIA se possam tornar cada vez menos necessariamente intrusivos, de metodologias de preservação e salvaguarda alternativas e da reabilitação e requalificação do parque arqueológico. E da forma como novas perspectivas sobre a matéria s podem enquadrar num PNTA sustentável e consistente.
Tendo em conta que um PNTA deve ser um instrumento de reforço da solidariedade e partilha comunitária.


Nem mais. Será necessário que as pessoas envolvidas sintam isso como natural.

A investigação arqueológica organizada num PNTA deverá ter as seguintes alterações em relação ao que acontece hoje em dia:

- aumentar o âmbito temporal. 5 – 10 anos.
- aumentar a democraticidade e transparência da sua construção através da participação dos vários grupos interessados: regulação, universidades, associações e campos arqueológicos, empresas e particulares. Para eliminar aquela soma de pedidos anuais sobre a qual um pequeno grupo restrito e eventualmente permeável e pressões, decida quem vai ou não fazer o que seja.
- criar grupos diferentes de PNTA, embora possam e devam estar interligados:
PNTA para projectos e trabalhos de investigação arqueológica científica / tradicional;
PNTA para emergências, consubstanciada na existência de equipas multidisciplinares para atender a estes casos e também para a realização de trabalhos ditos de prevenção no âmbito dos EIA’s;
PNTA direccionada para a protecção, salvaguarda e valorização dos sítios e saberes;
PNTA direccionado para o estudo dos materiais já exumados existentes nos” armazéns” dos museus.

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