sábado, 11 de abril de 2009

O arqueómano

O arqueómano

Declaração de princípios



Muita ambiguidade se tem manifestado na interpretação deste pristino estatuto que reclamo, não só para mim mas para todos os que a ele quiserem aderir. Como é óbvio, cada um pode ser arqueómano à sua maneira. Mas esta é a minha, exaustivamente ponderada. Só a interpretou de certas formas quem o quis. Ou talvez eu próprio não tenha sido exaustivamente explícito. Compete-me, nesse caso, reconhecer que partiu de mim a sobranceria. Trata-se então de a corrigir.

O arqueómano não adere à utilização de dispositivos de detecção remota com o fim de facilitar a exumação de materiais arqueológicos. Os dispositivos de detecção remota, hoje existem muitos e de múltipla natureza, devem de resto constituir-se em auxiliares que dispensem a intervenção de exumação, quer de materiais, quer de estruturas.
Partindo dos mesmos pressupostos, o arqueómano não adere a escavações sugeridas por necessidades efémeras e de circunstância. Entram nesta categoria as chamadas escavações de emergência. Em alternativa, o arqueómano sugere a imediata suspensão de todas as intervenções no terreno, com vista à reformulação e reforço de um coerente plano nacional de escavações, que se deve transformar no eixo da intervenção arqueológica, nesta área.
O arqueómano entende que as tarefas que exigem actualmente mais aplicação e reflexão são as que respeitam à sociabilização da matéria arqueológica, a promoção de uma cultura arqueológica no seio da comunidade e o estudo aprofundado dos materiais e sua contextualização resultantes de anos de intervenção no terreno precariamente programadas.
O arqueómano reconhece a qualquer cidadão, independentemente do seu estatuto, o direito de questionar os procedimentos técnicos aplicados pela arqueologia em qualquer circunstância, tanto no que respeita à intervenção sobre materiais, como sobre estruturas, e imputa ao arqueólogo o dever de colocar com toda a abertura à disposição da comunidade os meios que permitam avaliar a oportunidade de qualquer alegação. O último argumento que um arqueómano reconhece é a invocação de um estatuto.
O arqueómano entende que a reformulação dos dispositivos legislativos se tornou num dos mais urgentes meios para prosseguir estes objectivos.
O arqueómano rejeita que a arqueologia se transforme num instrumento persecutório indiscriminado que possa inibir a espontânea fruição da matéria arqueológica por parte da comunidade. O arqueómano é solidário com o arqueólogo na promoção de medidas que preservem e curem do património arqueológico e cultural, promovendo mais uma profunda cultura arqueológica do que a gratuita produção de dispositivos penais.
Dados estes pressupostos, o arqueómano propõe o princípio de que nenhuma intervenção sobre o património arqueológico e cultural pode ser vedada a qualquer cidadão, senão aquelas de cuja ausência de requisitos técnicos explícitos resulte dano ou dolo sobre o património. É esse o domínio exclusivo do arqueólogo, como profissional institucionalmente reconhecido.
Este é o programa do arqueómano para o presente e o futuro. Ele resulta também de uma exaustiva avaliação dos desvarios do passado e sabe que muitos deles são irreversíveis. O arqueómano é solidário com o arqueólogo na procura de soluções operacionais, racionais e comunitariamente solidárias para reverter as consequências dos desvarios e incúrias do passado.
Este princípio aplica-se à recuperação nas melhores circunstâncias do património sem rasto sonegado à fruição da comunidade.
O arqueómano e a arqueomania anseiam pela circunstância em que seja oportuno cruzar a sua intervenção com o arqueólogo e a arqueologia.

Para quem não o soubesse, isto é um arqueómano.

Manuel de Castro Nunes

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